Fantástica Gramática Automática
Sunday, April 29, 2007
  Da dialéctica
A culpa é da minha irmã. Quer dizer, desde que éramos pequenos que a culpa era dela. E da outra também, mas depois crescemos e já não me lembro de quem era a culpa
(mas a culpa não vem aqui para o caso e o que interessa é uma discussão que já tem um ano
que por acaso foi começada por mim,
“Sabes, eu acho que a dialéctica exis”
então neste caso a culpa é minha porque fui eu quem a começou. Pronto.
“porque depois há o contex”
entre estas linhas falta a totalidade do meu argumento, que não quero desenvolver, por não ser exacto, ou pelo menos devidamente fundamentado, e para não ser tendencioso.
Por isso não quero tomar parte na discussão, porque apesar de estar dentro dela, neste momento quero apenas fazer um relato.)
é sobre dialéctica. Sobre a dialéctica num contexto real e sobre a dialéctica no abstracto. Um dizia que ela existia em ambos os planos e o outro dizia que só no abstracto
(deve ser mais ou menos assim o resumo
muito resumido, quase insultando a prolixidade de argumentos
aos quais acrescentamos mais um pouco,)

O método da dialéctica é o único que procede, por meio das destruição das hipóteses, a caminho do autêntico princípio, a fim de tornar seguros os seus resultados, e que realmente aos poucos os olhos da alma da espécie de lodo bárbaro em que está atolada e eleva-os as alturas, utilizando como auxiliares para ajudar a conduzi-los as artes que analisamos (Platão VII. 533c-d).
Cuidado com o erro*! Ai ai ai, não nos podemos enganar. Maldita interpretação!
É próprio do saber dialéctico «aprender a essência de cada coisa» (VII. 534b). Deve ser capaz de distinguir a natureza essencial do Bem, isolando-o de todas as outras ideias (VII. 534c). (...) Derivada de dialegesthai («falar com», «discorrer», «raciocinar»), pressupõe interlocutores – exactamente como ocorre no modo de filosofar da obra platónica, designada, alias, por uma palavra da mesma família: «diálogo». Por esse motivo, Nettleship pôde escrever: «O termo «dialéctica», que desempenha um papel quase tão proeminente na filosofia platónica como «forma», não significa originariamente nada mais do que o processo de discussão oral por meio de pergunta e resposta» (Pereira 2001: xxxii-xxxiii).

*O erro pode consistir em atribuir à dialéctica o valor que tomou a partir de Hegel e depois Marx e depois a minha irmã. Só para ter em atenção.

Platão (2001). A República, 9ª edição, tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
 
Tuesday, April 24, 2007
  O revolucionário em mim O reaccionário em mim O contra-reaccionário em mim
Um ou dois dias depois do massacre em Virgínia os jornais londrinos mostravam fotografias de Cho Seung-Hui e da produção sul-coreana Oldboy. Tentavam, uma vez mais, mostrar o paralelismo entre aquilo que lemos/vemos/ouvimos e as nossas acções, o que não é totalmente descabido, embora neste caso, e da forma que é feito, o seja.
Mais do que influenciar comportamentos negativos
(e por negativos entenda-se, que impliquem a morte de mais do que nenhuma pessoa)
a arte tem para mim uma função pedagógica
(a função pedagógica é uma das muitas que a arte tem)
, nem que seja a de nos fazer pensar. Ora, se não conseguirmos reflectir sobre os objectos artísticos que consumimos, poderemos ser induzidos num sofisma. Naturalmente, é necessário educar para a arte
(não dizer quem é canónico ou não, mas sim ensinar a reflectir, o resto vem por acréscimo.)
Creio que no meio deste arrulhar de jornais londrinos houve espaço para muito ruído, muitos comentários, muito pouca inteligência, muita solidariedade
(coisa que os ingleses às vezes são capazes)
e muito racismo. Apontaram a ascendência de Cho Seung-Hui e no filme cuja produção é igualmente sul-coreana. Isto de acordo com imagens de vídeo que foram enviadas para a NBC, pelo próprio, antes de tudo começar. Dariam tanta importância se fosse um preto? E um árabe? E então?
Lembrei-me do filme Bowling For Columbine e da entrevista que Michael Moore faz ao Marilyn Manson acerca da sua música. Não sou propriamente adepto do estilo panfletário e da música, respectivamente, mas acho que fazem um bom par, pelo menos, naqueles três minutos e pouco demonstram alguma lucidez.

(Este foi, provavelmente, o meu primeiro post multimedial, em que usei mais do que dois tipos de texto em simultâneo.)
 
Thursday, April 19, 2007
  Três mulheres feitas e uma por fazer
Uma francesa e uma portuguesa. E uma italiana e uma espanhola. Duas reais e duas personagens de romances
(Madame Arnoux e uma portuguesa
Francesca e uma espanhola é assim que vão ser os nomes delas.)
Há alguns anos atrás
(três ou quatro)
a mulher portuguesa, que agora é uma mulher casada e não sei para quando estarão os filhos disse-me que tínhamos vinte anos, tínhamos idade para saber melhor
(saber melhor o quê?
- Já temos vinte anos, já devemos ter juízo.
Fiquei lixado com a arrogância da afirmação. Nem era arrogância, era maternalismo. E fiquei lixado porque é esse o vocabulário de quem tem vinte anos.)
Vamo-nos esquecendo das pessoas à medida que nos afastamos. Deve haver, de certeza, uma máxima qualquer
(frase feita
cliché
lugar comum)
que se aplica aqui. Não sei qual é. Esquecemo-nos das pessoas na mesma medida que elas se esquecem de nós, acabam por ser memórias vagas de um tempo longínquo. Achava estranho que os meus pais falassem de amigos perdidos
(porque é que se perderam, os amigos não se perdem)
com a mesma facilidade que falavam de acontecimentos com dez anos. Quando eu tinha dez anos. Agora falo de amigos perdidos que eram amigos há dez anos.
Entre esta quase-mulher portuguesa
(ou mulherzinha na pior acepção do termo)
que nada se refere ao romance de Louisa May Alcott e a Madame Arnoux há um paralelismo interessante
(uma falsa pureza, um paroxismo púdico na rata)
, lembro-me das duas como seres inacessíveis que estarão cada vez mais próximos um do outro. Talvez a quase-mulher portuguesa necessite de educação sentimental. Mais do que a educação em si, do livro. São mulher e quase-mulher cuja contemplação é um acto romântico com uma importância tão grande como o brisk walk da Helena.
Olho para as duas e vejo que esse paroxismo púdico
(e mais não digo que uma vez é suficiente)
é um paradoxo que oscila entre a virgem e a puta. Na mesma pessoa encarnada.

Conheço uma espanhola que tem gestos de uma italiana. A forma como ri, a forma como coloca as mãos à frente da boca
(faço uma piada e ri-se como se a ironia fosse algo que está a conhecer pela primeira vez.)
Lembra-me a Francesca. A rir-se das histórias do fotógrafo
(sentada na cadeira amarela, levanta as pernas no ar
deixa-as cair
bate com as mãos nas coxas
e deixa a cabeça cair para a frente com uma gargalhada)
que se ia casar com uma gorila de lábios pintados. A espanhola é uma mulher de trinta e nove anos que ainda se fascina com o mundo mas que já nada espera dele.
 
Tuesday, April 17, 2007
  A trança dos acontecimentos
Estou
Estava
tão sentado quanto estou agora e os travões guincham e guincham durante tanto tempo que vai ser inevitável o choque e eu continuo sentado. Assim, como estou agora.
Ao mesmo tempo, e estou igualmente sentado, um homem atravessa na passadeira e é tão difícil perceber se é desequilibrado
se está ou é bêbedo.
E agarra-me pelo estômago o estilhaço do metal e dos vidros
(clish clash)
porque sei que há sangue. Há sangue. Ouço-o escorrer pelos meus braços e sei que não havia airbag. No alcatrão há uma poça.
O homem
(e eu continuava sentado)
que ia desequilibrado
que era desequilibrado inclinava-se para trás, mais ainda.
O carro está parado
(clish clash)
mas o barulho ainda ecoa nos corpos que foram sacudidos.
Chegou ao outro lado, fez um movimento circular sobre o calcanhar
(vai cair, é fá cil de ver a posição, desde que não bata com a cabeça e na queda que dura um segundo, mais ou menos calculando a distância o peso da cabeça e do corpo e a força da gravidade)
e cai sem bater com cabeça, um glorioso esforço abdominal não reconhecido pelos transeuntes habituados. A tudo.
O carro eventualmente arrancou, com o barulho dos estilhaços.
Em dias diferentes horas diferentes. Só o sol era o mesmo.
 
Saturday, April 14, 2007
  Da tradução anterior
Anyway, I can try anything it's the same circle that leads to nowhere and
(I’m tired now.)
Anyway, I’ve lost my face, my dignity, my look, all of these things are gone and
(I’m tired now.)
But don't be scared, I found a good job and I go to work every day on my old bicycle you loved. I’m pilling up some unread books under my bed and I really think I’ll never read again. No concentration, just a white disorder everywhere around me, you know
(I’m so tired now.)
But don't worry I often go to dinners and parties with some old friends who care for me, take me back home and stay.
Monochrome floors
, monochrome walls, only absence near me
, nothing but silence around me.
Monochrome flat
, monochrome life
(only absence near me, nothing but silence around me.)
Sometimes I search an event or something to remember, but I’ve really got nothing in mind. Sometimes I open the windows and listen people walking in the down streets. There is a life out there.
but don't be scared, i found a good job and I go to work every day on my old bicycle you loved.
Anyway, I can try anything it's the same circle that leads to nowhere and
(I’m tired now.)
Anyway, I’ve lost my face, my dignity, my look, all of these things are gone and
(I’m tired now.)
But don't be scared, I found a good job and i go to work every day on my old bicycle you loved.
monochrome floors
, monochrome walls
(only absence near me, nothing but silence around me.)
Monochrome flat
, monochrome life
(only absence near me, nothing but silence around me.)
 
Tuesday, April 10, 2007
  Carta inter-artes com cólicas de tradução
Apesar de tudo, apesar de tudo… mas apesar de tudo. Em, apesar de tudo é um círculo, uma pescada de rabo na boca
(sardinha, carapau com arroz de tomate)
que acaba por levar a lado nenhum. Estou cansado agora, duas semanas são o suficiente, mas estou cansado agora, por um triz perdia a dignidade e essas coisas todas. Ufa, foi mesmo por um triz.
Pai e Mãe:
Está tudo bem, tudo bem, sim, não se preocupem. Já tenho trabalho e todos os dias vou de bicicleta, uma velha comprada no mercado. Até consigo, vejam lá, pôr a corrente quando salta. Uso um colete fluorescente quando está lusco-fusco. Comecei a arrumar os livros, já não quero saber do saber, arrumo-os debaixo de cama e não penso neles nem os leio. Não os vou ler nem depois voltar a ler. Adeus, o vosso filho.
Já não me consigo concentrar, a não ser
(talvez)
na assepsia branca do tecto
(amarela por causa dos candeeiros)
e a mesma cor branca de ordena a desordem em mim, que sai dos meus dedos, das mãos para cima e dos pés raízes para baixo, para a cava, onde andam ratos
(que roeram a minha camisola cinzenta em que a minha outra mãe vai coser elipses de camurça castanha)
Pai e Mãe:
Continua tudo bem. Tenho ido a umas festas com uns amigos. Eles preocupam-se também e fazem para eu não estar sozinho. Levam-me de volta. Vocês sabem, sempre me perdi com muita facilidade. Em todo o lado, até dentro de mim. Adeus, o vosso filho.
O mesmo branco asséptico do tecto vai ao chão, às paredes. Tudo branco, monocromático. Tanta ausência e silêncio perto de mim. Tantos, que me absorvem no seu ruído.
O mesmo branco asséptico do tecto transborda para a casa, o branco da minha vida por viver e tanto para escrever. Tanta ausência e silêncio perto de mim. Tantos, que me absorvem no seu ruído.
Sentei-me num parque, ao sol. Tentei lembrar-me de uma cosia que tinha a certeza que tinha acontecido, mas esta fugia e quando mais me lembrava mais longe estava. Não, acabei com as mãos vazias e o casaco preto
(o novo)
húmido e com pedaços de relva. Regressei para casa de metro porque estava frio e sabia-me bem o calor da electricidade dos carris. Queria viver num sítio alto onde me pudesse sentar à janela a fumar e a ouvir a conversa das pessoas, os passos na rua
(os saltos, os ténis, as passadas longas curtas, as saias travadas)
há tanta vida fora de mim, há tanta vida dentro de mim. Quero vivê-la!
Agora.
E círculo,
Apesar de tudo, apesar de tudo… mas apesar de tudo. Em, apesar de tudo é um círculo, uma pescada de rabo na boca
(sardinha, carapau com arroz de tomate)
que acaba por levar a lado nenhum.
 
Tuesday, April 03, 2007
  Encontramos porque não é passado
É na rua que nos encontramos
(que nos encontrámos)
à porta de um colégio que fechava às seis e não quero escrever sobre colégios que fecham cedo mas sobre abraços que não são sentidos
(ou que eu não senti como sentido)
(em que o acordo tónico é tão dissonante
fiquei a tremer.)
não foi o tremer que me incomodou; no último quase ano
(isto porque se passou em Maio
maduro Maio
ou em que já amadurecia e pensava na vida)
por tantas voltas em Nova Iorque. Falei tanto dele porque gostei dele. Numa cidade de tantos milhões como quase um país, no meio de uma escala desconhecida. Não sei, porquê, o gostar nem sempre se explica.
Então foi hoje na rua que nos encontramos
(encontrámos que agora já é passado e não é presente)
que nos encontrámos, chamei-o pelo nome próprio, teve dificuldade em perceber quem eu era tão descontextualizado
(nunca pensei que parta alguém o meu contexto pudesse ser outro do que aquele em que estou no momento presente
não este que não é palpável, mas em todos momentos presentes. Porque nada é estático e o presente muito menos, está sempre autocracizado pelo tempo, não dos relógios mas universal)
depois deu-me o abraço marado e o número de telemóvel e foi de bicicleta. Sempre achei piada às pernas de aranhiço, magras e de calças sempre justas. Fiquei com vontade de lhe telefonar, de me sentar a olhar para o fundo
(lentamente esvaziando e esvaziado
queria escrever estas duas palavras na mesma, sobrepô-las)
de um copo e tentar perceber. Mas há alguma coisa para perceber? Conhecemo-nos e pronto, encontrámo-nos. Não há necessidade de explorar mais o assunto. O desconcerto apenas
(das pernas dele a pedalar e eu a pensar no abraço.)
 
fgautomatica@gmail.com | 'é necessário ter o espírito aberto, mas não tão aberto que o cérebro caia'
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