A banda sonora da minha vida
Quando sai de casa começou a chover. Levava apenas uma casaco quente com uma camisola de manga curta por baixo. Não sei, goste de fazer estas coisas quando sei que não vou demorar muito tempo ao frio. As pingas grossas começaram a cair entre a porta do prédio e a porta do carro, nos dez metros que separavam uma porta da outra. Não corri, tinha tempo para chegar até ao carro antes que a chuva se tornasse constipadora.
E mal fechei a porta do carro, antes mesmo de começar a ouvir os sons do rádio, os pingos faziam o barulho que abafava tudo, o barulho dos pingos a cair no vidro, a cair no metal do carro. Deixei-me estar em silêncio. A chuva a cair é embaladora.
Gosto de me vestir todo, da cabeça aos pés com roupa quente e ir para a rua, ficar a sentir a chuva a cair em cima do guarda-chuva, a ouvir aquele barulho que impele aos pensamentos doces, com um sorriso de perfeita estupidez estampado na cara. Nessas alturas gostava de viver num local mais bonito, com mais água. Gosto de ver a água a cair na água, em lagos ou rios, ou mesmo no mar. Acho que dias assim têm um sabor especial. Mas também gosto de olhar a água misturada com as manchas de óleo dos carros, as manchas multicolores que ficam no alcatrão. É a mais perfeita gradação de cores, um arco-íris à distancia de uma chuvada e de carros velhos.
Andei de carro pela cidade a ver as poucas pessoas que andavam, de guarda-chuva em riste, cobertas de impermeáveis e chapéus, encolhidas de frio. O caminho que devia ser simples, levou a forma tortuosa de uma serpente pelas ruas estreitas e empedradas da cidade. Dupliquei, tripliquei o caminho que tinha que fazer. Para continuar a ouvir a chuva a cair sobre o carro. Quando cheguei aos destino, as gotas de chuvas estavam suspensas nas nuvens por inúmeros fios invisíveis; fios frágeis, que parecia que se podiam quebrar a qualquer momento, mas que naqueles segundos, aguentavam o peso gravítico das gotas.
Quando regressei ao carro, os fios tinham-se quebrado e todas as gotas que haviam estado suspensas, caiam em lágrimas pelo, chão, escorriam pelas goteiras, pelas telhas, pelos algerozes. A água acontecia em todo os lado, lágrimas que choravam todos os desgostos de um Domingo de manhã.
Nos filmes, quando acontece algo sem dialogo, a música enche o silêncio; às vezes. Corri para o carro e nesse momento o meu telemóvel começou a tocar, a tocar uma canção, a que uso como toque. Continuei a correr, sobre os pingos grossos.
Sentei-me no carro, tinha perdido a chamada. Fiquei a ouvir a chuva e a achar que aquele música tinha completado o marulhar da chuva. A banda sonora perfeita para uma manhã de Domingo chuvosa.
[‘Lonely As Can Be’, The Concretes – “The Concretes” (2004)]