Fantástica Gramática Automática
Saturday, June 30, 2007
  Segunda Vaga
Procuraremos uma definição de comum acordo, tentando tê-la sempre em mente, enquanto discutimos (Platão 2000: 237d).
Durante alguns anos utilizei a frase
(muitas vezes as grandes discussões filosóficas são apenas discussões de semântica
ou seja
uma discussão só é possível desde que os interlocutores partam de um conceito que é comummente aceite)
em algumas discussões. Não tinha pretensões de originalidade, mas foi um esfrega no
(não foi no ego, para variar)
no intelecto descobrir de quem era.
Mantenho a mesma posição, mas desta vez já posso dizer que o Platão me dá uma mãozinha, ou melhor, uma palavrinha.
 
Thursday, June 28, 2007
  O homem que ia à frente do autocarro
É a carreira do setenta e sete oitenta e sete quatrocentos e cinquenta e dois
(que pára a meio)
do p cinco do g um. Vai na tira vermelha dos autocarros. Durante muitos metros, balança-se para os dois lados. Tem a cara branca como as pernas que aparecem entre os sapatos sem meias e as calças demasiado curtas.
E vai assim,
a pedalar demasiado rápido para a velocidade que leva, uma mudança muito baixa
(e vai assim
As pernas não me falham
mais rápido mais rápido não consigo mas não me falham os pés nos pedais
mais rápido mais rápido
e agora que é uma pequena descida antes mesmo de chegar à paragem do autocarro que se cola à minha roda de trás consigo ir sem as mãos no guiador sem guinadas apenas a bicicleta e os meus pés parados nos pedais e agora não agora não agora e
não sei se abra os braços para me equilibrar se para sentir mais vento no corpo a bicicleta a abrandar e
passo debaixo da ponte o autocarro vem aí)
Volta a pôr as mãos no guiador e a pedalar demasiado rápido para a velocidade que leva
(e depois da ponte do comboio subo para o passeio e
upa já está, desvio-me e o autocarro passa ao meu lado na estrada)
Olho para ele e penso que o vou escrever
(um olha para mim e quase choco com o carro do lixo fujo ao sinal vermelho ao virar para a esquerda para os armazéns de Battersea mas com uma guinada para a direita volto à estrada galgo o passeio e vou à frente do autocarro viro para a esquerda e desço sem braços outra vez seguro de que sou imortal e nada me vai acontecer)
E fui
(e foi.)

Sei que é Verão e que há muitos dias chove, não me importo hoje, há prazer na chuva, no mesmo suor que de manhã nos enlevou
(os teus lábios salgados, estar nos teus braços é um prazer aquático tridimensional)
era a música. E não chovia em mim até meados de Maio. No escuro escondido do teu colo.
 
Wednesday, June 27, 2007
  Quotidiano
Três indivíduos, muito a norte de Londres, estão sentados num camião de mudanças. Esperam uma chave, um solicitador, uma cliente
(um dorme
um lê o The Sun
um lê Platão)
e eu não consigo disfarçar quem sou.
 
Sunday, June 24, 2007
  Remediação da “Imortalidade da Alma”
Há já uns dias que é Verão.
Tudo começou no dia em que o Verão começou, mesmo sem haver dança de bruxas no solstício, nem uma fogueira enorme no meio do parque de Richmond, com os veados a ruminar pensamentos sobre as pessoas que dançavam
(mas como não houve fogueira nem bruxas, apenas o solstício
e os veados não ruminaram pensamentos nenhuns)
. Mas foi no início de do Verão
(havia apenas algumas horas desde o seu início)
que fui ver o extracto a conta bancária. Ficou a brilhar no ecrã do ATM enquanto eu pensava naquilo
(uma fila atrás de mim o olhar curioso por cima do meu ombro, o cartão retirado à pressa e o regresso a casa no quatrocentos e cinquenta e dois em silêncio)
. Nessa noite dormi. Dormi como em qualquer outra noite; mas como em qualquer outra noite pensava no dia antes de adormecer. Lembrei-me do Livro X d’A República, da imortalidade da alma. Da minha.

Eu escolhi a vida que tenho. Sempre gostei das vidas trágicas dos poetas e dos pintores em sótãos sórdidos, gosto do passar das dificuldades para a eventualidade da glória suprema
(tal ambição levou Ovídio ao exílio e outros quantos tantos à desgraça)
. Na minha vida anterior devo ter sido um romântico. E isso ainda tem consequências bastante visíveis. Especialmente na tragicidade que confiro à minha vida e àquilo que escrevo. Depois de ter sido romântico, morri
(andei no prado oito dias e oito dias só, mas não sei a quantos dias, meses, anos, décadas isso corresponde na vida terrena, porque na vida cósmica oito dias são oito dias. Depois fomo-nos embora do prado e escolhemos
a alma
os corpos em que a nossa vida iria encarnar. Vi muitas almas e não conhecia nenhuma, mas havia muitas que ansiavam por uma vida mais agitada, outras por uma vida mais calma e outras que ansiavam por ausência de vida
uma morte branca precoce de bebé
. Escolhi a vida que tenho. E foi isso. A minha alma sabe o que me espera, mas eu não, porque neste momento sou um ser simbiótico entre alma e carne.)

Voltei a lembrar-me do extracto bancário. Sei que tem que ser assim, carregar móveis, estragar as costas
(como a Frida Kahlo mas sem o acidente)
a carregar móveis e quadros e garrafas de vinho e conteúdos de vidas. Tem que ser duro e difícil, tem que ser arrancado com fórceps e até pode sair deformado. Mas há-de sair. E nessa altura a vida que a minha alma escolheu dentro deste corpo será cumprida.
(No entanto, às vezes tenho contade de acelerar o regresso ao prado. É tão bom, dormir o relento, tempo ameno e nu.)
 
Tuesday, June 19, 2007
  Os sete trabalhos de Miguel
Primeiro Trabalho – Vender Livros
Segundo Trabalho – Fazer Chamadas Telefónicas
Terceiro Trabalho – Arrumar Livros
Quarto Trabalho – Aprender Lavores
Quinto Trabalho – Escrever uma Tese
Sexto Trabalho – Montar uma Exposição
Sétimo Trabalho – Mudar Casas

Não me chamo Hércules porque não tenho força de braços. A tendência clássica começa a notar-se. Mas não é por aí que acredito na imortalidade da alma.
 
Thursday, June 14, 2007
  Salta-Pocinhas e Platão no plural
Como quem usa uma pele de vison verdadeira à volta do corpo e diz
“Hoje vesti a minha raposa”
, pouso o livro e afirmo, em voz alta
“Hoje terminei o meu primeiro Platão”
. Isto dito de forma pretensiosamente orgulhosa. Contudo, nunca me senti tão diminuido. E apesar de o ir contrariar. Há algum tempo que não demorava tanto tempo a terminar. Um mês e meio. E corrijo,
“Hoje terminei o meu primeiro Platão e amanhã vou começar o meu segundo”, portanto
Hold on to your knickers!
(nova expressão favorita em detrimento de I’m late I’m late for a very important date
chiça, tenho que sair desta terra se não fico totalmente anglicizado.)
Fica já a indicação bibliográfica para não ter que a repetir a direito e a torto
(porque, já se sabe, muitas citações se esperam nos próximos dias
, ou mês e meio se voltar a demorar tanto tempo. Mas o livro é mais pequeno, embora a minha diminuição permaneça.)

Platão (2000). Fedro ou Da Beleza, 6ª edição, tradução de Pinharanda Gomes. Lisboa: Guimarães Editores.

(Confesso algum entusiasmo neste próximo
e segundo
, uma vez que o sentido de humor platónico é bem mais britânico do que grego; mas não arrisco nenhuma afirmação porque a história das carteiras e dos carteiristas fez-me engolir as
minhas próprias palavras
(qual sopa de couve na infância)
e lembrar-me de que, quando se faz um comentário sobre traduções, se deve ter
não o original mas
o texto de partida à mão. Ou olhos.)
 
Wednesday, June 13, 2007
  Olhos pretos
A primeira foi quando comecei a ver um lençol cor-de-rosa-tingido que está em cima da porta da dispensa da cozinha, debaixo das escadas onde guardamos os sacos e as malas de viagem e as vassouras e o esfregão e o balde às vezes e o ferro de engomar que só a inglesa usa a caminhar na minha direcção pensei que algo podia não estar bem
(ainda era madrugada e os pássaros começavam a cantar
mas os pássaros não cantam às quatro e meia da manhã a não ser que às quatro e meia da manhã já o dia tenha nascido. Os dias nascem tão cedo e morrem tão tarde estes dias. Os pássaros cantavam nas casas nos prédios na habitação social na universidade que fechou a não ser a ala
norte oeste sul este
que serve de liceu. Os pássaros cantavam sobre estes lugares e todos os outros que não sei e o lençol cor-de-rosa-tingido não se mexeu nem a porta da dispensa onde guardamos coisas
pedaços
migalhas que os ratos vão comer. Os olhos estavam tão lentos que o imóvel se mexeu com as pálpebras.

A segunda foi a figueira no quintal que nasce no chão de cimento
(o chão não é de cimento
é terra debaixo, areia e pedras e depois fogo
mas com o passar dos anos deve ter sido muitas coisas que agora são cimento.E a figueira cheia de mosquitos a crescer com o sol de Primavera, a a sombrar as luzes laranja da rua no quarto à noite porque não há persianas
estores)
e que aparece na janelas do meu quarto e na porta da cozinha com postigo. Mexeu-se uma mão na rua, que agarra as grades da janela
(como o rato que andava no museu que afinal era um dos pés da japonesa que estava a ver os arquivos na máquina dos microfilmes a abanar)
. Tentei de ficar tentado a ir ver o que era. Mas necessitava de deixar cair a cinza do sexto cigarro no cinzeiro e quando tudo pesa, as acções são longas e alongadas e pouco meticulosas
tropeções
pontapés nas cómodas
cabeçadas nos armários.
E quando deixei cair a cinza do sexto cigarro esqueci-me que tinha visto uma mão na rua, que tinha visto a figueira nascida cimento. Não interessava que me tivesse esquecido
(sabia já que era eu outra vez que estava na rua com a figueira, que era eu quem a tinha feito mexer)
.
 
Friday, June 08, 2007
  Viver noutra cidade: uma reflexão pedante sobre a patifaria
Continuo a andar às voltas com o positivismo e com o debate dialéctico entre Platão e Hegel. Neste momento a minha irmã e eu andamos às voltas com o método dialéctico platónico
(sobre o qual já escrevi mas acrescento que consiste na exclusão de tudo aquilo que não é aquilo que pretendemos definir: a ideia encontra-se na negação de tudo o resto)
para pôr em prática o método dialéctico hegeliano que fala de escravos e senhores e que mais tarde foi adaptado para patrões e operários
(embora Platão, não a custo da dialéctica, já tivesse visto a luta de classes marxista no sistema oligárquico em que o estado não e um, mas dois,
um para os ricos
um para os pobres
um mais um igual a dois)
de que nós
(entre muitos outros antes de nós e depois de nós)
nos apropriámos para falar de arte. Sem querer confundir mais, páro.

Há pouco mais de um ano escrevi que seria positivo nem que doesse
(era um verso de uma cantiga)
numa fase de transição
(na altura.)
E noutra, entre a afirmativa aceitação positivista e o “duvidar sempre” brechtiano, permiti-me a indulgência.
(E hoje de manhã li
Na cidade em que vires mendigos, em tal lugar, se acoitarão ladrões, carteiristas, salteadores de templos e autores de malfeitorias dessa espécie
(Platão VIII. 552d)
no autocarro, a caminho da biblioteca. Parei. Platão NÃO escreveu isto. De forma alguma. Primeiro porque Platão não escrevia e depois porque
(fiquei parado na palavra “carteiristas”; carteiristas? E de onde é que essas alminhas fanavam as carteiras?)
Mas não vamos julgar Platão, que não escreveu isto, ou melhor, disse isto. Mais acertadamente, Platão não disse bem isto, parece-me a mim. Tal como Ezra Pound em Cathay, a nossa tradutora permitiu-se a uns remendos
(nas togas, para caberem as carteiras)
juntado na mesma frase os saqueadores de templos – que suponho comuns na altura – e os carteiristas, muito em voga nos transportes públicos coevos. Recordo-me de uma frase que ouvi a uma professora, “o texto determina o contexto”. Podemos então dizer que é uma tradução do tempo em que já há bolsos para pôr carteiras
(e carteiristas para as tirar de lá)
, ou seja, há um grande espaço temporal em que isto pode acontecer. A tradução data de 1972. Em que outra década, em que outro país, se utilizariam expressões como malfeitores e patifarias? E já que falamos de um muito cristão país, pelo menos à data da tradução,
(e calcando o mesmo caminho que iniciámos, seguindo Ezra Pound)
porque não chamar-lhes judeus também?

Platão (2001). A República, 9ª edição, tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
(Outra vez!, pelo menos até ao fim do volume. Mas contando que já estou no livro IX, não há-de faltar muito.)
 
Monday, June 04, 2007
  Os erros que cometemos
Um dos meus maiores problemas é que, em tudo o que fiz e disse, fui demasiado positivista.
Em vez de ter dito que era bonito, devia ter dito que não era feio. Teria evitado imensos problemas.
 
Friday, June 01, 2007
  Diálogos aliterários
Voilà! In view, a humble vaudevillian veteran, cast vicariously as both victim and villain by the vicissitudes of Fate. This visage, no mere veneer of vanity, is a vestige of the vox populi, now vacant, vanished. However, this valorous visitation of a by-gone vexation stands vivified and has vowed to vanquish these venal and virulent vermin van-guarding vice and vouchsafing the violently vicious and voracious violation of volition.
The only verdict is vengeance; a vendetta, held as a votive, not in vain, for the value and veracity of such shall one day vindicate the vigilant and the virtuous.
Verily, this vichyssoise of verbiage veers most verbose, so let me simply add that it's my very good honour to meet you and you may call me V.

Are you like a crazy person?

I am quite sure they will say so. But, to whom am I speaking with?

I'm Evey.

Evey? E-V. Of course you are.

What does that mean?

It means that I, like God, do not play with dice and I don't believe in coincidences.


Strength through unity. Unity through faith. England Prevails!
 
fgautomatica@gmail.com | 'é necessário ter o espírito aberto, mas não tão aberto que o cérebro caia'
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