Fantástica Gramática Automática
Sentir
E como se o tempo não tivesse deixado escorrer por baixo de portas umas semanas passaram e nada aconteceu
(muito aconteceu mas nada que tenha precisão de ser falado a não ser talvez o episódio da italiana cuja única referência será esta)
. Se há vinte e seis dias atrás o meu equilíbrio era com um pé em cada lado inglês do lago, hoje o desequilíbrio é sobre a língua. Como em português devia sentir saudades
, mas creio que a palavra certa é “homesick”. Oscilo entre as línguas como oscilo entre os sentimentos no mesmo movimento pendular entre o estar ou não estar.
Não é semelhante, nem sequer aproximado afirmar e “tenho saudades tuas” e “I miss you”
do mesmo modo que sentir “saudades” ou estar “homesick” também não se aproximam. Mas pela primeira vez sinto noutra língua, estou “homesick”.
De novo um início
A mesma metáfora hoje vai ser transversal a tantas coisas que quase tudo hoje pode ser interpretado. Assumo a polipossibilidade deste texto
(tenho que a assumir uma vez que em tempos que insurgi violentamente contra a sob-interpretação e agora a incentivo)
libertando os amantes da hermenêutica, se é que tal dádiva careciam.
Ando com planos de iniciar um novo blogue. Não pretendo deixar de escrever neste registo, gosto de tudo o que tenho
(gosto do processo e não do produto e há coisas das quais não quero abrir mão entre elas a língua a palavra)
. A verdade é que algo mais me assiste agora
(porque embora ainda não tenha acabado a construção já tenho o conhecimento suficiente que necessitava quando comecei as fundamentações)
, posso começar uns passos mais à frente no livro de instruções. Quero começar um novo blogue, já sei sobre o que é que será esse novo blogue, já tenho ideias sobre o que é que irei escrever. Suponho que o mais complicado já esteja decidido
(até uma nova língua vou experimentar razão pela qual necessito da gramática para me não perder do meu verdadeiro norte identificativo)
, faltam os detalhes, as formatações. O título.
Foi o processo que me agradou
(ao longo destes quase três anos que se encontram precisamente na sua metade e se formos ao detalhe do dia nos encontramos para lá do equador)
; mas não significa que quando começar um novo blogue, uns metros adiante, esteja perante um produto acabado
, muito pelo contrário. Se agora começo adiante, tenho que ir ainda mais longe. O meu território seguro avançou comigo, ao longo do tempo.
Os porcos
Fiquei sem perceber a metáfora dos velhos e dos porcos. Guerra aos porcos existia por guerra aos velhos
(mas eu não consigo perceber se a figuração do porco deve ser entendida de um modo literal ou não)
, mas a metáfora em si será completa
(no sentido em que agora teremos que procurar um paralelismo entre o universo suíno e o universo humano)
?
Ou seja, os porcos vivem em pocilgas e cheias de lama e cheiram mal e têm que ser alimentados pelo homem para que sobrevivam, a não ser que estejam soltos no campo e se alimentem daquilo que encontram
. A literalidade da metáfora não se pode apenas relativamente às manifestações físicas de ambos os animais, tem que ser algo mais profundo. Mas não sei qual a extensão da expressão velho
(um velho de quando de que zeitgeist)
. Talvez os velhos que são os velhos de antes da segurança social. A vingança dos novos velhos é viver bem, não depender de uma mesada governamental nem dos jovens.
A guerra que os jovens fizeram aos velhos, que não é do Adolfo Bioy Casares, mas desde Cyrano de Bergerac
(e se pensarmos na inutilidade da criança até começar a produzir ou no velho ancião percebemos que são tendências flutuantes da guerra)
ou até antes, talvez Platão já tivesse falado disso
(tenho que ir rever as minhas notas mas creio que os velhos eram acarinhados na cidade protegidos e saudados pela sua
pretensa
sabedoria)
. A origem filosófica da guerra deriva da dialéctica da angústia do desconhecimento e da tranquilidade da experiência.
If I was a flower growing wild and free
Bren: When you move out I’m getting two Weimaraners!
Juno: Whoa Dream Big!
Bren: Oh, go fly a kite!
A polissemia da tristeza
A solidão confronta-nos quando menos dela temos precisão
(até rodeado de pessoas podemos estar)
. Queria poder voltar a escrever sobre a tristeza com extrema metaforização, mas já não o sei fazer. Fui demasiado longe
(passe além de um certo ponto de não retorno e tudo aquilo que posso fazer a partir de agora excluí aquilo que uma vez já fiz em modo repetido)
para poder voltar a escrever do modo que escrevia. Mesmo que quisesse já não seria capaz de o fazer, as metáforas envelheceram empoeiradas, cortinados pendurados ao sol que lentamente perderam a cor e ganharam nevoeiro.
Lembro-me quando o autobiografismo era tão directo que passava por uma ficção dirigida a uma segunda pessoa do singular. Deixou depois de o ser
. Não sei o que se passou entretanto, a minha biblioteca mudou e ganhou profundidade. A minha tristeza mudou de uma total metaforização do eu através dos cortinados velhos
, passou do plano sentimental e metafísico para o plano totalmente físico.
A vida boa
Hoje não consigo deixar de pensar na perenidade da vida
(na vida física e nos possíveis signos que individualmente serão mantidos qualquer que seja o seu suporte)
e, em certa medida na inutilidade filosófica e religiosa. Porque pensava na vida no universo e na nossa própria pequenez, percebia que o pensamento filosófico
(reconhecendo neste momento a religião como mais uma filosofia de condição da vida)
é apenas a ignorância do mundo maior que nos rodeia e da significância de toda a nossa existência. Assumo algum prazer filosófico, mas mais do que me trazer resposta alguma a inquietação que daí emerge torna-me mais livre
. E a liberdade é dolorosa. Parece-me que em cada escolha há tanta liberdade que perante o infinito me sinto tão pequeno que a escolha se torna tão dolorosa por tudo aquilo que perdi.
EQUILÍBRIO DESEQUILÍBRIO EQUILÍBRIO
Com um pé aqui e outro ali não sei como me sustenho. Até a respiração fica ao alto, pulmões escancarados e cheios sem mais espaço. O pé aqui e o outro ali são o meio caminho que já comecei a fazer de volta. A minha corda é o Atlântico.
Na corda do equilíbrio abstracto há gradações
(podemos ser mais maus mais bons mais cristo mais anti-cristo mais força mais contra-força)
, mas na corda de aço entrançado ou se equilibra o o trapezista ou cai
(na rede
ou não se a não houver)
.
A cada força há uma contra-força que equilibra
. Apesar de tudo, nós, culturalmente cristãos e ocidentais, valorizamos mais o bem do que o mal
(o que não nos impede de praticar mais o mal do que o bem privilegiando de modo perverso o equilíbrio cósmico)
. Essa valorização faz com que na nossa linguagem o bem seja o equilíbrio, mas os nossos actos vão num sentido diferente
(metafísica e física alma e corpo)
, ainda que o não notemos. O nosso equilíbrio não passa de uma ilusão. O bem necessita do mal para se definir
e vice-versa.
A existência equilibrada oscila entre a força e a contra-força em que ambas se dialectam
(eternamente lutando com o seu precursor forte mas sim com o seu par igual)
.
Lógica
Lógica dedutiva ou indutiva
(começar em mim e acabar o mundo ou começar no mundo e acabar em mim)
? Porque por detrás daquilo que escrevo deve haver sempre mais do que uma pequena realidade vivida nas passadas horas, mesmo que essas horas tenham sido multiplicadas por milhares. Onde está o valor da escrita se aquilo que transmitir for apenas um diário pessoal que não pode ser ampliado?