A casa da bruxa
A vizinha do segundo direito olha para o largo na esperança de saber o que nele se passa, para saber quais os carros que já saíram, para determinar quais as pessoas que ainda se encontram no prédio e quais as que já saíram. Os pretextos são sacudir a toalha da mesa, bater os tapetes, ou simplesmente estar a apanhar um pouco de ar fresco. De qualquer das formas, não perde pitada daquilo que se passa no largo. Um dia estica-se tanto, tanto, vem o Senhor C., o marido, por trás e pumba, empurra-a para baixo.
Até simpatizo com a D. C., é uma verdadeira matrona portuguesa, com direito a bigode e tudo. Era só disso que eu não gostava quando era mais novo: a minha mãe obrigava-me a ser simpático e tinha que lhe dar dois beijinhos. No fundo, eu era como todas as outras crianças, queria era brincar; mas como era tímido sorria e não tinha coragem de nenhum acto de rebeldia, dizendo que não dava beijinhos nenhuns. E acabava por sentir a roçar na minha cara, os pequenos pelos, quase invisíveis, mas ásperos.
No dia em que lhe ofereceram uma gata foi o delírio; suportava todos os beijos ásperos para poder brincar como o bichano, bichana, Tucha de nome. Era branca e não gostava muito de mim. Quando cresceu, ia para os nossos terraços e entupia o algeroz. Com bolas de pelo e bolas de merda. Durante muito tempo, a minha mãe e eu fizemos uma cabala, mil e tal formas de matar a gata, sem sermos notados. Um dia, sem nossa culpa, verdade, caiu do segundo andar, o segundo andar é alto, mas não morreu; gastou duas vidas, o segundo andar é mesmo alto, e nunca mais voltou aos terraços.
Nas noites de Verão costumávamo-nos juntar no largo dos meus avós; um largo grande, quase só com vivendas. As noites de Verão em grande grupo, quando ainda se jogava ao esconde, futebol, ou simplesmente se andava de bicicleta. Faziam-se enormes excursões aos grandes quintais das vivendas sessentistas. No canto do largo, a vivenda cor-de-rosa, um rosa escuro, avermelhado sanguíneo. A casa da bruxa, a casa do Sr. S. que nos roubava as bolas de futebol. Mas nem sempre o conseguia, uma ou outra vez, alguém, mais audaz, tinha coragem de entrar dentro do quintal e apanhar a bola. Que coroação de coragem e as histórias que contava: esqueletos, morcegos, caldeirões, homens dependurados, lobisomens e sarabandas. Ficávamos todos arrepiados com estas histórias de coragem, como se as aventuras do Indiana Jones estivessem à distância de uma vivenda.
Houve um grupo que ousou ir às traseiras; entraram pelo corredor da garagem, o largo ficou vazio. Cada um contava uma coisa que tinha visto, relatos arrepiantes de uma enorme aventura. Foi passada a noite, sentada no muro da D. A. a conversar sobre bruxas e fantasmas e caldeirões. No fundo, um salgueiro pode ser muitas coisas.