Fantástica Gramática Automática
Thursday, December 15, 2005
  O cágado do Steinbeck
Sempre que não consigo escrever penso no andar do cágado que o John Steinbeck escreveu. Está-se ali imenso tempo a ler sobre o andar do cágado, as pernas, o pescoço. Quando não consigo escrever penso nas cosias simples em que se pode escrever, como o andar do cágado. E olho para as paredes que têm gotas a descer, para as formas flutuantes que o fumo do cigarro que repousa no cinzeiro cheio faz. Em que é que eu podia escrever.
Gosto de voltar ao fumo do cigarro, gosto ainda de imaginar que tenho um cigarro entre os dedos, que o enrolo com um pouco de tabaco, um filtro e uma mortalha e dou a primeira baforada. Lembro-me dos anéis de fumo que fazia; gostava de abrir a janela do meu quarto e ficar a fumar do lado de fora, com as mãos e a cabeça ao frio enquanto o fumo expelido dos meus pulmões se misturava com o ar quente que expirava e se misturava tudo na atmosfera fria da noite.

Deixei de fumar. De vez em quando vou para a varanda e vejo a minha respiração a misturar-se com o resto do ar. Noutra altura estaria a fumar, às vezes oiço a canção que costumava ouvir quando ia fumar para janela. Oiço-a e vem-me à mão o cigarro fininho, acabado de enrolar, colado com saliva, vem-me aos pulmões o fumo. Mas deixei de fumar.
O cágado do Steinbeck puxa lentamente os fios da criatividade e há mais algumas que foram escritas desde que ele começou. Neste exercício, já muitos temas explorei: o da gota de humidade, os das teias de aranha e hoje mesmo tinha pensado no sujo que está o chão do meu quarto; quando me apoiei coma s mãos no chão e fiquei com as pontas dos dedos cheias de pó. E depois a mão completa.
Lembrei-me de falar dos dedos dos meus pés, mas são tão feios, quem é que quereria ler sobre eles?

Acabei por oferecer os louros ao justo tema vencedor, ao do Cágado, aquele que me acompanha ans horas difíceis, procurando e vasculhando gavetas e cómodas incómodas na minha cabeça: hoje lembrei-me do amor, mas sinto-me demasiado ansioso. Fica o cágado que continua a puxar lentamente o fio das palavras, como se fizesse um gigantesco colar de missangas e as tivesse a puxar, uma a uma. Uma palavra, uma sílaba e ideia. Fica assim por hoje.
 
Comments:
Sempre que não consigo pintar penso nas palavras, nas mais simples que encontro, que afinal, são também as mais cheias de imagens... Há um cágado na última tela, ou melhor, há uma tartaruga...que trouxe um índio sentado nela, um índio que fuma um cachimbo... o fumo do cachimbo trouxe um combóio, não sei bem como,e este trouxe gente, muita gente... Um metro quadrado que se encheu com uma simples palavra!
Festas felizes! Marina
 
Olá!
Acabo de reparar que cometi um erro... Eu pensava que o teu blog correspondia ao endereço http://www.detantobateromeucoracaoparou.blogspot.com/...
Afinal enganei-me! Por isso, estou aqui pela primeira vez!
"Fica assim por hoje."
Beijinhos e FELIZ NATAL!
 
Pelo mesmo motivo, (o de não conseguir escrever, e não o cágado de Steinbeck) dei por mim ontem a tentar escrever sobre a torrada, do meio, aquela que fica ensopada em manteiga, que é sempre a última a ser comida, dos seis rectangulos de pão. :)
 
Eu quando não consigo escrever não escrevo... o que, atendendo ao que escrevo quando não consigo deixar de escrever, é extraordinariamente vantajoso para o resto da humanidade... Claro que contigo é diferente porque mesmo quando não consegues escrever escreves bem como tudo! (E, Marina, consegui "ver" o teu quadro!:))

Beijos
 
... que sabe se steinbeck (que li demasiado?! cedo e quando o reli percebi que antes me tinha limitado a ler sem ter percebido patavino do que tinha lido...) não foi um dos que me induziram a ler... sempre e mais e mais?!

... o cágado tem um bom motor para arrancar palavras do nosso corpo; já experimentei também. mas o hipopótamo não lhe fica atrás...
 
No outro dia contaram-me uma anedota, no atletismo. Tratava-se de uma corrida entre um alentejano e um caracol (podia ser um cágado).
Quem ganha? (fez-se a pergunta e ninguém sabia que eu era alentejana mas, na ponta da língua, já eu aprontava a resposta. Qualquer coisa como: Oh, seus caracois da alface!)
Afinal o vencedor era o alentejano. Havia uma explicação, uma desistência ou desclassificação. Talvez o caracol fosse desclassificado porque não tinha ossos... e era isso que (não) tinha graça. Não ouvi bem...
Agora, quando não me apetece treinar penso que não sou um caracol ou que sou um caracol - mentira, mas apeteceu-me escrever isto.
 
ohhhh...também deixei de fumar...sinto.me sem sal...falta.me algo nas mãos...falta.me a companhia...falta.me o amigo silencioso de horas que não passam, do entendimento lógico que não chega, da lentidão de um viver que se desenrola tipo novelo mas sem direcção ou objectivo algum...ficarei assim durante algum tempo, não só hoje como amanha e depois e depois...a melancolia absorve.me juntamente com a sensação de algo que está mal e que mói e que dói ... já me alongo...até já!! bxox
 
tb gosto de cágados, de hipopotamos, de girafas e elefantes. e no entanto acho q o mm exercicio se pode fazer c o vazio, o vacuo, a ausencia de tudo, talvez seja mais dificil assim, talvez não. um brinde aos 4 patas q nos iluminam sem saberem!
 
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