“Flores Partidas e Vasos Inteiros”
Há neste título um encanto poético que não consigo descortinar. Deixo-o assim, porque mais não consigo escrever sobre ele. Fica como uma entidade separada do texto, porque tem uma carga tão ou maior do que aquilo que vou escrever e ainda não escrevi. Ficam dois textos: título e texto, no mesmo contexto.
Estive a olhar para fotografias, aliás, estive a ver fotografias. Começo a pensar que todas as minhas acções perdem o encanto romântico que eu lhe confiro. Ver fotografias já não é abrir uma caixa de madeira ou de metal, antiga caixa de bolos, e ver fotografias amareladas e desbotadas, a sépia ou a preto e branco. Ver fotografias implica abrir uma pasta no computador e estar a ver num ecrã. E o cheiro do papel? O toque, e as dedadas no canto?
Todo esse encanto romântico perde-se num ecrã de computador ou no ecrã do telemóvel. Dei por mim a mostrar uma fotografia que tinha tirado com o telemóvel: na rua, as pessoas olhavam para a situação, como quem repara na senhora que levanta dinheiro num ATM. Senti-me envergonhado por fazer parte de uma geração em que partilha as fotografias em telemóveis, em que as envia e reenvia com a maior promiscuidade. Mas porque é que havia de sentir envergonhado? Porque é que me havia de sentir rebaixado por estar a mostrar algo a alguém. Talvez tenha sido por não o fazer da forma que considerava mais romântica, não tinha oferecido um lanche nem aberto uma secreta caixa de bolachas ou bombons de lilás com fotografias amarelecidas cheias de segredos. Não, abri um pasta no telemóvel uma pasta que nem sequer existe e senti-me desesperadamente constrangido.
Lembro-me de ter dezoito anos e estar a ouvir música num leitor portátil: estava na escola secundária. Nas mãos tinha o telemóvel e estava a jogar um qualquer jogo. E pessoas passavam por mim e falavam-me e eu não percebi nada. E estava tão alheado no jogo e na música. Fizeram-me um olhar de reprovação que nunca mais esqueci e desejei pertencer a uma geração que não concebe os telemóveis como algo imprescindível, uma geração que abre caixas para ver fotografias amareladas.
Talvez a poesia que encontrei no título, nas flores partidas e nos vasos inteiros, seja a mesma que encontrava nas caixas de fotografias e na música em discos de vinil e nos filmes a preto e branco e no retinar violento do telefone. E nas cartas que escrevo como supremo prazer romântico, na tentativa de me achegar a uma época que não é, de todo, a minha.