Metafísica da Vida
Corremos. O ar estava frio e nós corríamos. À nossa frente corriam algumas pessoas com a mesma intenção; corríamos todos. O ar estava frio e eu estava com calor porque corria, porque exigia ao corpo um esforço suplementar para depois poder descansar.
Chegámos à paragem do eléctrico e eu suava, nasciam pequenas gotas na minha testa que o ar frio insistia em cristalizar. E depois de vermos tantas pessoas correr à nossa frente, depois de fazermos nascer o suor nas nossas testas, decidimos com um sorriso que iríamos subir ao castelo a pé. E subimos e mais suor nasceu e cristalizou nas nossas testas. Porque já andamos fartos de transportes e andar a pé é bom e mesmo que chegássemos cansados, a busca daquilo que procurávamos sempre era melhor se fosse com esforço, porque maior seria a recompensa quando conseguíssemos entrar, quando aos nossos pés a cidade se deitasse – tamanha é a arrogância desta afirmação, mas por outro lado, eu também sou arrogante!
Sim, a cidade caiu aos nossos pés. O outro lado do rio mostrava-me o pórtico da Lisnave, aquele pórtico vermelho que a aprendi a descortinar da varanda do Adamastor há uns Verões atrás, onde aprendi a olhar o rio e vi as conversas a nascerem nos nosso lábios, desceram por entre quintais, ruas e vielas até ao rio, onde desembocavam a nadavam.
Mas era mesmo o pórtico que eu via. E não era do pórtico que eu queria falar; mas aquele monólito metálico captava a minha atenção da mesma forma que o miúdo espanhol que cuspia para o chão, para uns quintais nos baixos das muralhas do castelo: não resisti e enviei-lhe um olhar duro. Parou, avaliou-me; decidiu que era melhor não repetir a graça. Não porque eu o tivesse repreendido com o olhar, não por sido eu, mas justamente por não ter sido só eu. E a cidade tinha caído aos nossos pés e o pórtico da Lisnave mantinha-se intacto, como nas noites da varanda do Adamastor, com um copo de cerveja na mão e um cigarro noutra.
Lembro-me de há dias me terem dito que eu escrevia sobre a metafísica da vida. Não confessei que não sabia muito bem o que queria dizer metafísica, mas achei que aquilo me tinha sido dito num contexto elogioso, ou que pelo menos a minha escrita abarcava qualquer coisa de importante que valia a pena uma palavra que eu não sabia muito bem o que queria dizer. Não interessa, porque na verdade, só agora é que as cristalizações de suor da minha testa começavam a secar e a desaparecer eu não pensava em metafísica. Mas eu não escrevia sobre a metafísica da vida, escrevia sobre aquilo que via, a vida dos outros, aquilo que me acelera o coração até à exaustão e aquilo que mo faz abrandar até quase parar. Se calhar isso é a metafísica.
MAS EU ESTAVA NO CASTELO A VER O PÓRTICO DA LISNAVE! E O RIO E TUDO MAIS QUE HAVIA PARA VER!
E não há nada de metafísico nisto. Gosto do sol da tarde e de ver o rio.
[
A interrogação metafísica deve desenvolver-se na totalidade e na situação fundamental da existência que interroga.] Só no caso de alguém estar com dúvidas.