Território Neutro, o Branco
No meio de uma estrada muito movimentada há um risco branco.
De relance, olho. Três raparigas, no mesmo momento, no mesmo preciso momento, infinitésimo de segundo e muitas mais fracções de segundo e de tempo, puxam uma baforada do cigarro, individual, que cada uma delas fuma. E nesse momento que congelei e que à luz da lentidão estou a descongelar, vejo que todas elas expeliram o fumo na mesma altura, no mesmo momento, no mesmo preciso momento, com todas as divisões e fracções miniaturas de tempo possíveis pela descrição descongelada do momento.
Faziam equilibrismo no meio de uma estrada com um risco branco, elas equilibravam-se em cima do risco branco. E o vento dos carros ou as equilibrava ou as desequilibrava. Mas elas permaneciam no meio, cada uma com seu cigarro imunes a tudo, como se a o risco branco em que se encontravam lhes servisse de protecção da violência que à volta delas acontecia, da velocidade da fúria e da raiva. E elas fumavam.
A rapariga da direita tinha o cabelo branco e era nova. A rapariga do meio tinha as unhas brancas e era nova. A rapariga da esquerda tinha um casaco de malha, branco, e um cachecol transparente que a noite não me deixou ver.
E todas tinhas um cigarro comprido, entre os dedos indicador e médio, que fumavam cadenciadamente, um cigarro branco e comprido que quase chegava ao chão. Esperavam para atravessar a estrada e expeliam baforadas de fumo., num equilíbrio em cima da linha, num coito de crianças que jogam à apanhada, num coito de carros que se atravessam à sua frente e atrás violentamente, furiosamente, com desejos escondidos de as esmagar. Mas em cima da linha branca – ao longo da qual caminharam já – estão seguras. E fumam os seus cigarros compridos.
O tempo que congelei, descongelou. E continuei o meu caminho, rápido como ia, sem conseguir olhar para trás, sem conseguir saber o que aconteceu à rapariga da direita que tinha o cabelo comprido e era nova, à rapariga do meio que tinha as unhas brancas e era nova e às rapariga da esquerda que tinha vestido um casaco de malha, branco, e um cachecol transparente que a noite não me deixou ver.
A tarde transformou-se em noite e as mulheres brancas ficaram na linha branca, no seu coito, no seu lugar seguro, à espera que os cigarros terminassem e que os carros passassem, para poderem passar. A da esquerda, a do meio e a da direita. Todas novas e todas brancas, de branco. Porque eram uma unidade tripartida e um triângulo unitário. E eram três e eram uma.
E expeliram o fumo ao mesmo tempo. Dos cigarros compridos, brancos. Com uma incandescência azul.