Cor do Calor
Embriaguei-me com as cores da cidade, com o calor do sol. Não resisti a olhar para os casacos cor de laranja, para as calças cor-de-rosa, tudo nas pessoas era de uma coloração que eu pensava desconhecer. Nunca tinha pensado que as cores fossem assim tão intensas, nunca pensei que a ausência de cor pudesse, depois, ter este efeito.
Descia aos tubos metropolitânicos para ir a um qualquer sítio; não sei se me lembro para onde ia, mas sei que não ia sozinho, lembro-me que me estranharam o silêncio – estranham-me sempre os silêncios. Olhava para as cores das pessoas, para as roupas berrantes que vestiam.
Quero lá saber que se vistam mal, quero é ver as cores.Estava calor e fiquei sem companhia. Já sei onde ia, porque me lembro da relva verde de uma chuva de Inverno que não estava à espera desta súbita reacção do sol. E a relva cresceu de um dia para o outro e era de tarde e algumas gotas ainda brilhavam. Tudo tinha demasiada cor para os meus olhos. Olhavam-me na rua como quem olha um tonto que está maravilhado com tudo o que se passa à sua volta, imagino que tivesse um sorriso imbecil estampado na cara, como quem descobre as cores, como quem sente o calor na pele, como se tudo isto fosse demasiado novo e fosse demasiado sinestético e quinestético para ser suportado por um único corpo.
Deixei-me estar a respirar a toada primaveril no meio do Inverno no meio de uma jardim de relva no meio da cidade. Lembrei-me dos parques de Berlim, e das tardes soalheiras, lembro-me de olhar para as pessoas e querer se como elas, feliz, com a preocupação de não me ter que preocupar com nada.
Três pré-adolescentes passam por mim e riem-se; não me importo que isso aconteça, guardo dentro de mim um segredo tão grande que poucos são capazes de imaginar. E prossigo o meu caminho, comigo, contigo e com o nosso segredo.Vivi o calor do regresso e do tempo que depressa passou. Levanto a cabeça, faço tudo o que tenho a fazer e contínuo. Na direcção do meu calor, da minha cor.