À espera da promessa
Estava parada no meio do jardim. Um jardim em que construções são as árvores e as flores as antenas; árvores de betão e flores de ferro, de metal ferrugento. Ela estava, olhos azuis enormes, presos num vazio infinito. Esperava e estava. Estava.
Estava frio e vento. Vento porque é Inverno e está um dia frio e vento porque estava numa paragem de autocarros e, na beira do passeio, sentia o vento que eles faziam à medida que paravam e arrancavam e passavam. E estava. Parecia que a cada autocarro que se aproximava, ela se ia lançar debaixo das suas rodas, do seu motor; mas não, ficava ali, olhos azuis enormes presos num vazio que também podia ser finito: o vazio dela era finito e com os olhos presos nele, tentava encontrar os seus limites ou fronteiras.
Estava de pé e não se mexia, impávida ao vento e aos autocarros: o cabelo, a cada violenta manifestação todo se revolteava, mas mal terminava, tudo voltava ao mesmo. Apenas semicerrava os olhos. Na mão direita segurava um ramo de uma flor qualquer, flores de plástico. Os olhos exprimiam um azul grande, uma azul de revolta que contrastava com o corpo que era de conformação. Segurava o ramo como se estivesse à espera que a pedissem em casamento. Mas ninguém pedia, passavam por ela e roubavam-lhe uma flor e iam-se embora.
Não importava que o ramo estivesse a ficar desmembrado e vazio, que faltassem flores e que parecesse desleixo, quem gostasse dela e quisesse casar com ela, fá-lo-ia com flores ou sem flores. E ficava ali, com o vento do vento e dos autocarros.
O espaço infinitesimal de tempo que passei por ela, espaço infinitesimal no espaço de um tempo gigante e infinito que não teve início nem nunca terá fim, olhou para mim e viu em mim quem lhe iria pedir em casamento, como viu no estudante de sete anos que corria à minha frente e no padre que placidamente punha pé à frente do pé para passar por ela e por mim. Não me detive mas li nos seus olhos um pedido, que eu a pedisse em casamento.
Quando regressei já lá não havia ninguém, alguém a tinha levado. E o vento há já muito que tinha parado. Ainda restavam algumas pétalas no chão, no sítio onde tinha estado, à espera que o vento do vento ou dos autocarros lhe trouxesse alguém e levasse as pétalas.
Levaram-lhe flores e levaram-na, mais os olhos grandes, uma promessa e um ramo de flores desfeito.