Acasos de amor e fotografia
Algo se escapa por entre os meus dedos como se fosse a areia fina da praia. Tento agarra-lo, mantê-lo mas não consigo inventar uma prisão porque não sei o que é. Faço caixas e peneiras e lugares mas a areia mental continua a escapar-se por entre tudo o que invento.
Como agarrar algo que não sabemos o que é?
Maldita luta desesperada contra o invisível e indizível.
Ficou-me na memória um beijo que me deram na cara. Há um ano. Ficou-me na memória outro beijo. Há vinte e três dias. Olho para as fotografias que ficaram desses beijos e fico que a impressão de quem lá está não sou eu, não posso ser eu. Nunca me tinha visto assim. A algo que me escapa. Não sei o que é. Aquela areia mental que se escapa entre os dedos, algo que quero agarrar para guardar bem junto de mim. Procuro outras fotografias e vejo-me a sorrir, a dormir, a fazer caretas e a rir. E em duas fotografias apenas, há algo muito maior que tantos outros momentos juntos.
O que é a imagem fotográfica? Uma fracção nanométrica de toda a nossa existência. Ou da existência de outros. Uma fracção nanométrica. E se juntarmos todas as fotografias que temos, nem um minuto da nossa vida conseguimos constituir.
A fotografia tem uma espécie de tempo intemporal. Paradoxalmente podemos tocar-lhe e não. Tocamos-lhe porque faz parte de um momento que vivemos e sentimos. E é intocável porque faz parte de uma fracção tão pequena que às vezes parece que não existiu.
Na mão que tentava juntar a areia mental ficou um grão. Sento-me no chão e observo. Olho um e outro e mais aquele. Rio-me porque já sei o que dali vem. Montam-se duas fotografias com trezentos e quarenta e dois dias de diferença. Duas fotografias de beijo. Não são os grãos da areia mental que as formam é a minha cabeça. Aquilo que eu não conseguia perceber era a felicidade. A minha.