Fantástica Gramática Automática
Thursday, March 16, 2006
  Adília
Não foi assim que começaste mas podia ter sido. Merda de casa cheia de um bric-à-brac francês que tentavas pôr nas mãos das pessoas que lá iam para que mais tarde se lembrassem de ti. Mesmo que não desses nada, as pessoas continuavam a lembrar-se de ti Mas começaste por dizer
Os meus gatos
gostam de brincar
com as minhas baratas
como apresentação. Olhei para todo o lado a tentar ver algumas baratas. Não vi. Mas vi muitos gatos, de verdade e de porcelana. E acho que tu vias mais alguns, porque só contei seis e tu nomeaste nove. Alucinavas ou já tinham morrido ou já os tinhas dado? Não te importas que te trate por tu? Ou prefere que a trate de outra forma? Seja tu.

Tenho que contar esta história porque quando fui à tua casa estavas a beber chá com um pé engessado. Disseste-me que os amigos não são só para os momentos em que estamos com os pés enjeitados, são também para quando temos a alma engessada. Pára de me bater com a canadiana, vou contar a história. E vai fazer chá, não acredito que estejas assim tão mal como dizes.
Não gosto de gatos, nem de verdade nem de porcelana, olho para a minha colher e tem um pelo e oito grãos de açúcar mascavado. E a casa está cheia de gatos e tudo começou porque
O algodão doce
assustou-a
a ponto
de saltar do carroussel
em andamento
e de torcer o pé
Está mesmo tudo explicado. Menos o pelo de gato que me está a arranhar a garganta.

Ela olha-me através das pagines de um livro que há muito está pousado na minha prateleira. Olha-me a através da cara redonda e dos óculos enormes que tem, de massa castanha, acho, porque a fotografia é a preto e branco. Estás viva na fotografia e sorris. As fotografias são sempre de pessoas vivas, não são? Não, os retratos é que são. Porque até já há fotografias de corpos mortos e mutilados e mandados para as masmorras mortuárias. Armazéns de almas.
Para quê sacrificar mais uma página em branco?
se ainda escrevesse em peles de bezerros recém nascidos
atrevia-me a sacrificar bezerros recém-nascidos?
acho que sim
Ainda bem que escrevo na internet. Poupa-me estes dilemas. Agora estás orgulhosa de mim, não estás? Podia também escrever o poema do mongolóide que fala de caixas de soutien e viagens de autocarro. E de espíritos. Gosto mais de alma. Gosto mais porque dá para fazer uma aliteração com a palavra aliteração e armazém. E com todas as palavras que começam por «a». Sabes quantas são? Eu também não. E quem rima sem querer é amado sem saber e eu já rimei tantas vezes que estou a ficar convencido.
Tantas?, foram só duas. Mania de aumentar. É também a minha história
Tua e da Adília.
, não é só a minha porque é tudo aumentado. Não sou assim tão interessante nem escrevo poemas. Já escrevi. Porque
(…)
gosto de adormecer
a lembrar-me de ti
se os meus poemas
contribuírem para isso
são excelentes
Pena ter deixado de escrever. Agora adeus
I’m late, I’m late, for a very important date.

As melhoras para o pé torcido. E o pelo que não sai da minha garganta.
 
Comments:
Num mundo cinzento sabe bem vir até ao teu espaço. obrigado :-)
 
Deixei um desafio no meu blog, paticipa!.
Bjs
 
Pois é, hoje resolvi visitar e ler com atenção todos os teus posts.
Gostei mto, e a partir de agora serei uma visitante diária.
 
Conheço a versão masculina de Adília...
é uma delicia de pessoa...
 
Conheço algumas pessoas que moram em prédios já antigos e que usam os gatos como caçadores de baratas; baratas grandes, loiras e com grandes asas. Os felinos antes de as matarem, brincam com elas, aos saltos e cambalhotas. Só depois é que se chateiam e lhes dão a estocada final. Brrr ca nojo!
 
fiz um bom paseio pelas palavras... boa noite
 
também eu sou fã de adília (e também de gatos embora me irritem os pêlos por todo o lado e esconda os de loiça),também eu gosto de chá e já tive o pé engessado...de uma forma bastante obscura e tortuosa este post também é sobre mim (quer queiras quer não!)
 
passei por aqui devido ao nome do teu blog...mas adorei...prometo que vou voltar

*beijos*

Patrícia
 
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