Análise Criadora
Não há nada que um céu sem nuvens consiga esconder: só os céus de nuvens é que conseguem esconder a perversidade, é que trazem o oculto, aquilo que está escondido entre o fumo aquático. Os céus azuis trazem lágrimas; trazem as mesma lágrimas de dor e felicidade que os céus cobertores. Os céus azuis também trazem as lágrimas do orvalho não habituado à luz primaveril e estival. Fecham-se os olhos, molhados, saudosos do sol e do calor.
Tentei ser neutro e descaracterizado. Tentei ler as coisas de uma perspectiva vazia de opinião, tentei escrever sem ver pelos os meus olhos, sem sentir as pessoas que me tocavam e os sentimentos que brotavam de cada palavra. Tentei ler com os olhos que não eram meus.
Caí no alcatrão porque não aguentei ser mais ninguém. Estava morno e acolhedor, o negrume. Subia-me pelas costas, pelas coxas e pernas, pela nuca, o calor da terra através das camadas negras. Descia a mim o céu cinzento, não o brilhante gemático que incendiava as sombras, mas sim um céu oculto, aquele que faz o mar verde, que revolve as algas com a violência do vento.
Lembro-me desse vento invernal que desarranja as roupas estendidas na rua que levanta o lixo e o pó pouco antes da chuva o fazer de novo assentar em lama. O vento não se consegue ver, não se consegue descortinar a sua passagem. Sente-se, sente o meu sopro violento. Como explicar algo que se não vê?
Vês a árvore a abanar?, faz que sim com a cabeça. É o vento. O vento é a árvore? Não é o vento que faz a árvore abanar, que a agita. Sopro-te para a cara e vês o meu sopro? Não. Sente-lo? Sim, mas sinto-te sempre, mesmo quando não estás.
Então tu és o vento, és aquele murmúrio trazido pelo tempo parado quando me deito e sonho. És quem me sopra as feridas quando caio. És o sopro quente do siroco e do suão quando está frio. Sou. Sou o movimento na ausência, sou o barulho no vácuo. Sou o olhar perturbado na neutralidade, no impermeável que deixa que as correntes corram através dele e o marquem mas não magoem. Sou.
Deste três passos à frente porque não querias estar três passos atrás. Eu dei quatro passos às frente só para poder ficar um passo à tua frente. Deste mais dois, só para me provocar. Olhei para a tua cara e estavas séria; olhei com mais calma e vi como reprimias os sorrisos, os dentes a ranger para a boca não abrir, para o siso não se desfazer. Aceitei o protocolo e também dei dois passos. Deste três e não sustiveste o sorriso. Antes de eu começar a dar outro passo já tinhas largado numa correria louca. Depois foi fácil, foi só apanhar-te.
E tão cansados, fomos a andar.