Linhas
A parede branca à minha frente deixou de ser branca. Estiquei-me por cima do ecrã do computador e fiz um risco a lápis de carvão. Não sei bem porque é que fiz esse risco nem sei bem o que é que ele quer dizer, mas a verdade é que quando peguei no lápis e o encostei à parede nãos sabia muito bem o que é que ia fazer com ele. Fiz um riso torto meio decrescente, como os arco-íris que nos abrigavam a desenhar na escola primária quando estavam dias de chuva carregada e não podíamos ir ao recreio. Nunca gostei muito dos arco-íris, verdade seja dita. Especialmente daqueles que tínhamos que desenhar. Pois, também nunca tive muito jeito para desenho.
[A minha carreira terminou quando desenhei uma arca do tesouro e a minha mãe me perguntou o que é que uma máquina de lavar a roupa fazia numa ilha deserta. Mas isso até era impossível porque nas ilhas desertas não há electricidade. Razão tinha o Saint-Exupéry quando achava que os adultos eram todos uns imbecis.]
No entanto, a parede branca à minha frente há muito que deixou de ser branca. No rodapé as bolas de cotão juntam-se e fazem uma conspiração contra o aspirador. Isto longe da ventoinha de refrigeração do computador e perto dos cabos que ligam ao amplificador. E dois postais, um com um comboio e uns prédios outro com uma ponte e mais uns prédios.
Estava capaz de ir deixar uma pegada num cantinho da parede, as solas dos sapatos que tenho calçados são muito engraçadas. Mas dá muito trabalho lavar a parede depois. A pegada que faria no canto da parede podia ser uma espécie de carimbos com metades e batatas que se fazem nos jardins de infância. Só que em vez que cortarmos uma batata ao meio, amputávamos um pé.
Se soubesse desenhar já tinha pintado e desenhado três paredes e meia do meu quarto. Como só sei fazer riscos que parecem arco-íris de que eu não gosto, mais vale ficar sossegado e imaginar que sei desenhar. Levanto-me o com uma borracha tento emendar a porcaria que fiz – nunca fui capaz de desenhar uma linha direita, nem por cima de outra linha. Não resultou muito bem, porque a borracha era daquelas verdes e borrou tudo. Onde é que já se viu uma borracha que borra? Raios!
Decido-me a ir buscar um esfregão verde e um pouco de lixívia. Olho para o esfregão verde com desconfiança e afianço-me que não está ninguém em casa. E digo com ar de mau: Atreve-te!