Fantástica Gramática Automática
Wednesday, April 05, 2006
  Velocidade Pessoal
Estou sentado na paragem de autocarro a ver o reflexo do sol numas janelas que estão a ser limpas por uma mulher-a-dias. Estou sentado na paragem de autocarro e não me sai da cabeça uma imagem de mim nu sentado na beira da cama a chorar, com os cotovelos apoiados nos joelhos e os nós dos dedos a pressionar com força os olhos para que as lágrimas caiam para dentro e não para fora. Há dias que esta imagem me acompanha e não sei porquê. Lembro-me de novo dela agora porque estou sentado na mesma posição, à espera do autocarro.
Estou mesmo à espera do autocarro? Porque não sei se espero o mesmo que as pessoas ao meu lado esperam. Ou elas não esperam o mesmo que eu espero. Mas estava sol quando isto aconteceu: o reflexo limpo pela mulher-a-dias aquecia-me num banco frio e impessoal e exposto ao vento.

Li num lugar qualquer como a escrita servia de catarse; também mo perguntaram pessoalmente. Suponho que a escrita separada de nós seja oferecer aos outros uma visão diferente daquilo que todos vemos todos os dias, o tempo frio e quente, as mulheres vestidas de preto, os pedintes no metro, a chuva que é bonita, a chuva que é feia, o sol que aquece e o sol que queima. Resta saber se alguém quer ver o mundo pelos nossos olhos, ou por aquilo que mostramos ser os nossos olhos.
Desvio a escrita de mim, como um ricochete de uma bala perdida: antes isso que sangrar até à morte um pouco e tinta vermelha para o papel. Ou seja, quando começara escrever a vermelho é porque a minha morte se aproxima. Mas não nos conseguimos afastar assim tanto daquilo que fazemos, pois não? Porque continua a ser a visão do mundo através dos nossos olhos, do nosso filtro. De nós. Mas é a visão do mundo, não é a visão da nossa vida e aí acaba-se com a catarse, dá-se-lhe um tiro – pum! – e fica o assunto resolvido porque não fez ricochete.

Porque é que a escrita é uma coisa tão boa, deliciosa e saborosa, calmante e pacificante e não nervosa como uma debutante no dia da sua estreia. Puta! A debutante, não a escrita. Quando calha.
Mas a escrita é boazinha, a escrita é mesmo boa. A escrita facilita o ser porque obriga a pensar à velocidade de mão. Velocidade, rapidez, lentidão, velocidade pessoal e matemática existencial, memória, esquecimento, inversamente proporcionais, bacanais, rituais, fetiches = feitiços, e esta?
A escrita faz com que o pensamento não fuja a uma velocidade estonteante, permite-nos saborear as palavras que acorrem ao pensamento e nos socorrem da mais certa morte intelectual, carnal e visceral. E naturalmente, sentimental.
 
Comments:
Agora tudo faz sentido nos meus olhos , nas minhas mãos, e nas minhas não letras, e eu apensar que, não era normal....saborear palavras, .....mas às vezes não sai, não sinto....será que por dentro estou cinza....
 
A escrita é tuso isso...e nada disso. palavras com que pintas e desenhas o teu mundo. palavras com que penetras no mundo de quem te lê. palavras...ou não palavras? escrita ou não escrita?
 
escrevo porque estou e sou....escrevo porque vivo o dito, o não dito, o que fica por dizer nas entrelinhas...escrevo e babo.me deliciada ou não do que passa para a outra margem pensante e interpretante do escrito e sentido...escrevo e recomeço novas etapas ou dou fim a outras já iniciadas que não têm já razão de ser...escrevo para alguém ler...escrevo e fico espantada como o escrever é assim tão eu e está tão dentro de mim...escrevo apenas...o resto está gasto...
 
olha que nao sei s é por ser loira.. mas demorei mais de uma semana a dar com a coisa p deixar coment!!
 
E quem não escreve «bonito», pode deliciar-se à mesma?

Olha, e escrever num teclado? É igual???
Tou a brincar!

Gostei do blog!
Gostas de sushi?

beijos
 
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