Aurora de óleo
O céu estava de um azul tão uniforme. Parecia que nunca tinha um princípio e que nunca tinha um fim era sempre igual em todos os cantos e lugares e não havia nuvem alguma para o macular. O rio estava parado e era da mesma cor do céu: sem manchas de óleo nem barcos movidos a petróleo. Eram iguais e estavam absorviam o olhar como se fossem o tudo. Porque eram tudo o que uma cor comporta dentro de si. E já não são porque o dia nasceu com farrapos no céu, restos de nuvens que quiseram ficar a ver as últimas pessoas a sair das discotecas.
Nunca tinha visto um céu tão azul deitado e adormecido em cima de uma pedra. Mesmo o sol que já nascia não tingia de gradações o céu; apenas o horizonte que se ruborizava com vergonha da manhã. Estava tentado a despir a camisa, o casado, a camisola, encostar as costas à pedra e ficar calado, sossegado: queria ouvir o murmúrio da terra, do magma que acontecia alguns metros abaixo de mim. Um, dez, cem, mil, milímetros centímetros, decímetros, metros e quilómetros. Nas minhas costas onde se colavam pequenas pedras na pele.
Os baixos estavam muito altos.
Isto porque andava triste e sem saber o que fazer da vida. Até os altos andavam em baixo, claro está. Nem com alguns copos isto melhorava. Porque os altos erma apenas colinas e os baixos eram muito grandes, acrescidos de dores de cabeça por causa da ressaca.
[Lembrei-me disto agora, mas não eram esses baixos que estavam muito altos e esta história já aconteceu há algum tempo.]
Os baixos estavam muito altos. Era música, música. Estavam tão altos os baixos que o chão vibrava e mexia, mas as pessoas não davam conta porque estavam todas aos pulos. À minha volta havia uma massa compacta saltitona como as bolas de borracha que costumávamos atirar às paredes e ao chão. Eu estava parado e bebia copos de vodka uns atrás dos outros e já não me lembrava de quem era enquanto ouvia na minha cabeça o Golden Brown dos The Stranglers. Acho que é difícil, assim de cabeça, encontrar uma canção igualmente bonita e triste. Mas as pessoas saltavam à minha volta e tinham todas um ar feliz e cansado.
Fechei os olhos e o chão debaixo dos meus pés vibrou dos saltos e dos baixos que estavam altos.
É de tarde e espreito pelas fisgas do estore. Ainda não o abri e a cama está desfeita com ar de que eu acabei de acordar. E tendo em conta que vivi vinte e um anos assim, acho que há pouco tempo é que acordei. Há dois anos. Mas só hoje e que me levantei da cama. Tarde. É que o céu azul-homogéneo estava pintado no tecto do meu quarto e eu estava-me a perder e o meu colchão transformou-se numa pedras grande da qual saíam pequenas pedras que se colavam às minhas costas. Foi a aurora boreal.