Chicago New York
Não estive em Chicago mas podia ter estado. Este é o título de uma das canções dos The Aislers Set e não parava de pensar nela, especialmente no verso I was in the air again. Pensava nisto e após oito horas de voo começava a ver o novo mundo. De novo nada tinha, apenas de diferente. Tinha uma perspectiva de Nova Iorque que devia estar já bastante contaminada pela quantidade enorme de filmes que já vi, bons e maus. E levava comigo a secreta esperança de encontrar o Woody Allen.
Disse ao meu pai, como quem tenta aliviar preocupações, que não ia ter que sair de Manhattan; obtive como resposta que só a ilha de Manhattan é do tamanho de Paris: quem ficou preocupado fui eu E nunca fui a Paris. E qual é a relação de grandeza com Berlim?
O ruído do avião tinha-se tornado habitual, esquecia-o. Ou o meu cérebro fazia por isso. Criava um sonolência em que os pensamentos fluíam soltos por anos presentes e passados. Tentavam concretizar futuros agarrando-se a decisões próximas. Deixei-me estar neste estado de semi-sonolência, sabia-me bem deixar a cabeça vaguear por onde bem entendesse, quer isso me custasse ou não. Ainda me lembro de acordar com dois cordões salinos de lágrimas, no avião, nas noites na pousada. Foram dias difíceis, os que antecederam esta viagem.
Tinha decidido que esta ida a Nova Iorque, além dos motivos óbvios, serviria também para colocar a cabeça no lugar e assentar os pés no chão. Bem, já que estava num avião, nada melhor do que a aterragem em JFK para dar o mote. Influenciado por Paul Theroux, tinha voltado a virar-me para a música clássica e ouvia um concerto para piano de Mahler. O piano, o avião, a aterragem e um país que conhecia dos filmes e um continente completamente novo.
Até para os americanos Nova Iorque tem magia; exerce neles o mesmo encanto que exerce nos europeus, uma espécie de cidade-estado resgatada da Grécia clássica. Dias mais tarde discuti este conceito com uma nova-iorquina nascida em Roma que dizia que a Europa era muito provinciana e que os EUA são muito cosmopolitas. Disse logo que sim e achei que Portugal era o esgoto do ocidente. Mas reflectindo com mais calma, a Europa é tão provinciana como os EUA e que Nova Iorque é a excepção. Talvez nem isso: poder pagar tudo com cartão de crédito não é sinal de cosmopolitismo, esta era a sustentação do seu argumento.
Não discuto que Nova Iorque é totalmente diferente, mas há algo de familiar em todos aqueles edifícios enormes. É possível que depois de tantos anos a ver a cidade em filmes, já não proporcione assim uma novidade tão grande. Mas não deixa de ser deliciosa a lasanha dos restaurantes de Little Italy nem as lojas roubadas do Soho.
E o jantar nas escadas da Union Square enquanto um rapaz com um iPod alugado dançava como nunca tinha visto.