Hortos e matas
É uma da tarde do dia de ontem e está Primavera como há um ano atrás não estava. Mas quem se lembra se estava ou não estava? O sol já não batia na minha janela que está de nascente mas o rio reflectia espelhando o calor.
À volta da minha casa há hortas e matas abandonadas. As hortas estão bem tratadas e só as matas estão abandonadas. Crescem e florescem livremente entre os maus tratos dos estudantes das três escolas que conto à minha volta e o alcatrão das ruas. E a chuva violenta que caiu no Inverno e o sol abrasivo que há-de queimar no Verão. E sobrevivem a isto tudo as folhas e ramos e flores da mata. Porque as hortas são regadas e no Verão e semeadas no Outono para serem regadas no Inverno.
Há uma mata quase no meio da estrada. Um carro mal tem espaço para passar e há um homem que colhe flores. Não colhe por colher, não o faz de forma aleatória. Cada pequena flor e parcimoniosamente escolhida, como se no ramo que constrói na mão esquerda cada uma tivesse uma posição especial: cada uma delas é especial e única. Embrenha-se no meio do mato, rasga a pele nos braços e colhe aquela flor que estava mais escondida.
E depois vai-se embora, com a pele curtida pelo sol e pelas silvas, entregar o ramo a alguém.