A semiótica das coisas
No Rossio há uma ventilação do metro que faz com que as saias das mulheres se pareçam com a Marilyn Monroe em The Seven Year Itch. Estão avisadas: fitas presas às grades do chão levantam-se e esvoaçam e praticam a teoria do caos; se a ventilação é constante, porque é que as fitas se hão-de mover aleatoriamente. Deve ser a borboleta de Pequim que fez a terra tremer em São Francisco. Mas para quem está habituado foi um tremor de terra mínimo, nem sequer notaram – nem na borboleta que passou o solitário estudante na Praça de Tiananmen, essa que batia as asas em retirada em frente aos tanques.
Mas no Rossio a ventilação continua e nas pedras do chão há cores de giz marcadas. Não choveu e a Mary Poppins passou por ali há já algum tempo. São tão claras as imagens do nosso passado que vamos associando às coisas que vamos vivendo nas horas do dia.
No Largo Camões também há um respirador que não tem as fitas. As fitas fazem-me serpentinas de Carnaval e eu nunca gostei do Carnaval porque sabia que todos os rapazes se iam vestir de Zorro para não os reconhecerem: também porque todos compravam bombinhas e eu não lhes achava muita piada. Nem sequer tinha isqueiro; porque pouco depois disso, quem tinha isqueiro era quem fumava.
Quando passam nos respiradores do metro, as raparigas que vão do nosso passado distraídas e vestem saias ficam envergonhadas, mas mais do que um desejo sexual que se esconde atrás dos olhos dos homens, há uma realização sensual. É raro ver uma mulher que se envergonha assim e é bonito e sensual. Estão avisadas no Rossio mas não no Largo Camões.
As fitas continuam a esvoaçar irregularmente: passa o vento e passa o tempo. O vento do chão e dos autocarros e dos carros e pessoas e o tempo que se passa com a rotação da terra. Uma medida subjectiva e inventada, como a felicidade.
Às vezes penso se serei a única pessoa sã no mundo. Perguntei-me isto agora mesmo. Não é para obter resposta alguma, porque sei mais do que bem que mais depressa estaria o resto do mundo são do que eu sozinho. Mas não me importo. Devia, o meu pai dizia-me que eu não vivia sozinho numa ilha. E na sequência disso dizia-me palavras importantes como assertividade e responsabilidade. Era nessa altura que a conversa descambava.
Hoje já não descamba e até corre muito bem. Continuo sem ser responsável. Não sou irresponsável, simplesmente porque não assumo responsabilidades nenhumas. Até ontem à noite. Até hoje de manhã.
Não, não vou ser pai. Mas não me importava.