Fantástica Gramática Automática
Thursday, June 15, 2006
  Chá de rua
A rua cheira a folhas de chá. De que chá? Do chá normal. Cheira a folhas de chá que deixaram de ser quebradiças e que agora estão moles e se colam às colheres. Choveu. A chuva foi a água a ferver que o mundo aqueceu na chaleira. A rua cheira a folhas de chá, as plantas mais comuns deitam cheiro, as mais raras recolhem-se na sua vergonha, exalando um cheiro de suor floral. Também cheirava a terra molhada. A chá de raízes e folhas e terra molhada.
Antes de sair à rua estava na janela. Olhava e deixava que uma goteira grande passasse gotas entre os meus olhos e os meus óculos. Era fresca a água. Cheguei-me um pouco ao lado. Fiquei a ouvi a mesma goteira a cair no chão de cimento. Um pouco mais à frente há uma horta. À chuva, de impermeável, uma senhora poda as plantas com uma tesoura do peixe. Nem olha, corta a eito. Espreita pelo rabo do olho quem do prédio está a espreitar à janela. As plantas não se importam. Corta as flores da roseira e deixa a planta ficar verde, unicolor. Debaixo do impermeável está vestida com uma bata e pensa que tem que ir para casa preparar o almoço para o homem, penso eu.
Agarro no guarda-chuva e saio. Instantaneamente pára de chover.

As ruas estão vazias e não chove. Não sei como levar o guarda-chuva. Passa de uma mão para a outra e não me serve de bengala. As ruas de Lisboa estão vazias. Os centros comerciais estão cheios e as pessoas não usam os guarda-chuvas e sabem o que lhes fazer porque os não trouxeram. Têm um ar feliz no ambiente quente: o ar está demasiado respirado.
Ando, passo atrás de passo à frente de passo, ando. Outra vez: ando, passo atrás de passo à frente de passo, ando. E mais: ando, passo atrás de passo à frente de passo, ando.
Um riso começa a crescer lá ao longe. Um riso cambaleante, como o corpo, titubeante.

O riso é acompanhado por um sorriso desdentado e podre. E uma garrafa de vinho parece que pode escorregar da mão a qualquer momento. Olha para todas as pessoas que estão paradas e bebe mais vinho. Não anda, arrasta-se e arrasta a sua fraqueza como se de força se tratasse. Não há quem aguente tão trágico destino. Ninguém sabe que destino foi esse. Mas foi trágico. Direito a luto breu e rosas negras. E a uma garrafa verde de vinho tinto, sorriso desdentado, pedinte de cigarros e desmaio no meio da rua, nas poças de águas nas irregularidades do alcatrão.
 
Comments:
Lisboa molhada e peganhenta do calor.
 
um passo atrás
um passo á frente
passo e transpiro
o ar tão quente
tão saturado
que me retiro
do meio da gente
estou isolado
e também tonto.

ponto.
 
http://www.fcsh.unl.pt/escoladeverao/index_ficheiros/Page699.htm
 
lisboa à chuva e deserta faz lembrar o autocarro 42 por volta das 20:30 do horário de Inverno. :)
 
Que agradável este teu chá...n ofereces uma cup of tea?
 
Post a Comment

Subscribe to Post Comments [Atom]





<< Home
fgautomatica@gmail.com | 'é necessário ter o espírito aberto, mas não tão aberto que o cérebro caia'
2H 31 da Armada A Natureza do Mal A Origem das Espécies A Senhora Sócrates A Terceira Noite A Vida Breve Abrupto Albergue dos Danados Auto-Retrato Avatares de um Desejo B-Site Baghdad Burning BibliOdyssey Blogue Atlântico Borboletas na Barriga Chanatas Ciberescritas Cinco Dias CORPO VISÍVEL Corta-Fitas Da Literatura De Rerum Natura Devaneios Diário Divulgando Banda Desenhada Dualidade Ondulatória Corpuscular E Deus Criou A Mulher Estado Civil Estranho Amor French Kissin' Golpe de Estado Hipatia Ilustrações, Desenhos e Outras Coisas Insónia Irmão Lúcia Jardins de Vento JP Coutinho Kitschnet Kontratempos Maiúsculas Mas Certamente que Sim! Menina Limão Miniscente Mise en Abyme Miss Pearls O Cachimbo de Magritte O Insurgente O Mundo Perfeito O Regabofe Os Canhões de Navarone Pelas Alminhas Porosidade Etérea Portugal dos Pequeninos PostSecret Quatro Caminhos She Hangs Brightly Sorumbático Ter enos Vag s Terra de Ninguém Voz do Deserto Welcome to Elsinore Womenage a Trois
Blogtailors Cooperativa Literária Escritas Mutantes Exploding Dog Extratexto Mattias Inks Minguante mt design O Binóculo Russell's Teapot
A Causa Foi Modificada A Sexta Coluna Por Vocación Terapia Metatísica Tristes Tópicos
11/2005 - 12/2005 / 12/2005 - 01/2006 / 01/2006 - 02/2006 / 02/2006 - 03/2006 / 03/2006 - 04/2006 / 04/2006 - 05/2006 / 05/2006 - 06/2006 / 06/2006 - 07/2006 / 07/2006 - 08/2006 / 08/2006 - 09/2006 / 09/2006 - 10/2006 / 10/2006 - 11/2006 / 11/2006 - 12/2006 / 12/2006 - 01/2007 / 01/2007 - 02/2007 / 02/2007 - 03/2007 / 03/2007 - 04/2007 / 04/2007 - 05/2007 / 05/2007 - 06/2007 / 06/2007 - 07/2007 / 07/2007 - 08/2007 / 08/2007 - 09/2007 / 09/2007 - 10/2007 / 10/2007 - 11/2007 / 11/2007 - 12/2007 / 12/2007 - 01/2008 / 01/2008 - 02/2008 / 02/2008 - 03/2008 / 03/2008 - 04/2008 / 04/2008 - 05/2008 / 05/2008 - 06/2008 / 06/2008 - 07/2008 / 07/2008 - 08/2008 / 08/2008 - 09/2008 / 09/2008 - 10/2008 / 10/2008 - 11/2008 / 11/2008 - 12/2008 / 01/2009 - 02/2009 /