Citações devidamente identificadas comigo
Deixei a minha mente vaguear sem destino, esperando convencer-me que a inactividade era uma prova de que estava a juntar forças, um sinal de que algo estava prestes a acontecer. Durante mais de um mês, a única coisa que fiz foi copiar passagens de alguns livros. Afixei uma delas, de Espinosa, na parede: «E quando ele sonha que não quer trabalhar, não tem capacidade para sonhar que quer escrever; e quando ele sonha que quer escrever, não tem capacidade para sonhar que não quer escrever».(…)É possível que eu pudesse ter conseguido sair daquela indolência. Ainda hoje não sei se aquilo era uma condição ou uma fase passageira. Bem no fundo de mim mesmo, sinto que durante algum tempo estava completamente perdido, completamente desesperado por dentro, mas não creio que isso significasse que o meu caso não tinha remédio.(…)Se a sequência disso foi o surgimento das palavras, foi apenas porque não tinha outra escolha senão aceita-las, assumi-las e ir aonde queriam levar-me. Mas isso não torna as palavras necessariamente importantes. Tenho estado a lutar há muito tempo para dizer adeus a algo, e esta luta é tudo o que realmente interessa. A história não está nas palavras; está na luta.Paul Auster in ‘A Trilogia de Nova Iorque’ (1985)
Quiz Kid Donnie Smith:
I used to be smart, but now I'm just stupid.
William H. Macy in ‘Magnolia’ (1999)
No livro de bolso Arte de Viajar
, Alain de Botton recorda a forma como Baudelaire se sentiu continuadamente atraído pelos portos e pelas docas, pelas estações de comboios, navios e quartos de hotel. Parecia sentir-se melhor, mais em sua casa, nos lugares de passagem, nas escalas das viagens. Nos instantes em que se achava «acabrunhado pela atmosfera de Paris»
, sempre que o mundo em que vivia lhe parecia demasiado monótono e pequeno, partia, partia então, «partia pelo amor da partida». E viajava. Viajava nem que fosse até um porto ou uma estação de comboios próximos. Aí chegado, deixava-se ficar na previsão das infinitas viagens, imerso nessa poesia «da partida»
que demarcava a presença no mundo.Existem pessoas assim. Que se aborrecem de morte em Nova Iorque, Seul ou Barcelona, que querem ir mais além, sempre mais, mais além, experimentando uma espécie de prazer, de profundo mas íntimo prazer, na simples antevisão da partida, na imaginação do momento de se lançarem ao caminho, na concepção das paisagens correndo sem cessar. Jamais saberão permanecer imóveis, esperando passivas, aceitando em silêncio os horizontes que não mudam.Rui Bebiano in ‘
A Terceira Noite’ (2006)