Conhecidos, velhos e novos
Talvez soubesse, mas julgo que não. De certeza que não; porque simplesmente não me ocorreu. Tinha uma sensação de desconforto no estômago quando publiquei a entrada anterior, mas julguei que assim fosse devido à proximidade emocional do assunto.
[Aproximaram-se de mim hoje e confrontaram-me com uma afirmação que tinha feito meses antes: deixei de lado a escrita emocional. Mas toda a escrita é emocional. O que eu pretendia com isso dizer era: deixei de pôr em jogo a minha sanidade emocional e pessoal para ter um leit motif para escrever. Porque toda a escrita é emocional: eu, pelo menos, sinto-a.]
Mas voltando à proximidade emocional. E aqui param as mãos. É possível explicar as coisas que não têm explicação? Porque quero eu resgatar uma amizade construída com Legos? Não quero responder a essa pergunta, mas é tão óbvia para mim a resposta.
Tentei olhar para o passado e encontrar o momento da separação. Não houve propriamente uma separação, um momento marcado e fixo. Mesmo numa cidade pequena a distância entre duas escolas é grande. E entre as nossas casas. Mesmo sendo os nossos pais irmãos.
Crescemos em direcções diferentes e não cultivámos os anos que não estivemos constantemente juntos. Quando nos voltámos a juntar não nos reconhecíamos. E cada vez mais e mais e mais e somos estranhos, apesar de nos conhecermos desde 1984, ano em que ele nasceu.
Ando à volta com justificações, mas simplesmente não as há. Há. Eu é que não quero escavar tão fundo em mim, com medo de encontrar culpa em mim se o fizer. Será mais fácil deixar a que a situação se arraste e eu vá esquecendo que ele existe até aos momentos dos pequenos encontros ou será até mais fácil culpá-lo de tudo, assumindo que a direcção certa era a minha.
O facto de estar a fazer algo profundamente emocional e doloroso impede-me de ser desonesto. A culpa é repartida em dois. Porque, nas minhas palavras, esse olhar de desprezo não é tão diferente da arrogância a que me votei afirmando taxativamente que sei que não é feliz. Até pode ser verdade que o que faço é desprezível e até pode ser verdade que ele não seja feliz. Mas também podem ser verdade os seus opostos.
Pauso na escrita porque incorro no perigo de o encher de culpa de alto a baixo. Pauso porque quis reler tudo o que estava para trás.
Tantos rodeios e novecentas e sessenta e duas palavras para dizer ao meu primo que gosto muito dele, que quero que ele seja feliz, que me magoa que ele não faça um esforço para compreender o que me faz feliz, que me magoa que já não sejamos próximos, que a culpa também é minha, que não se apagam vinte e dois anos de amizade, que ele pode sempre contar comigo. E já agora que ele soubesse disto.
Vou ter que ser eu a dar o primeiro passo, não é? Não sei se tenho coragem.