Fantástica Gramática Automática
Tuesday, July 11, 2006
  Conhecidos, velhos e novos
Talvez soubesse, mas julgo que não. De certeza que não; porque simplesmente não me ocorreu. Tinha uma sensação de desconforto no estômago quando publiquei a entrada anterior, mas julguei que assim fosse devido à proximidade emocional do assunto.

[Aproximaram-se de mim hoje e confrontaram-me com uma afirmação que tinha feito meses antes: deixei de lado a escrita emocional. Mas toda a escrita é emocional. O que eu pretendia com isso dizer era: deixei de pôr em jogo a minha sanidade emocional e pessoal para ter um leit motif para escrever. Porque toda a escrita é emocional: eu, pelo menos, sinto-a.]

Mas voltando à proximidade emocional. E aqui param as mãos. É possível explicar as coisas que não têm explicação? Porque quero eu resgatar uma amizade construída com Legos? Não quero responder a essa pergunta, mas é tão óbvia para mim a resposta.
Tentei olhar para o passado e encontrar o momento da separação. Não houve propriamente uma separação, um momento marcado e fixo. Mesmo numa cidade pequena a distância entre duas escolas é grande. E entre as nossas casas. Mesmo sendo os nossos pais irmãos.
Crescemos em direcções diferentes e não cultivámos os anos que não estivemos constantemente juntos. Quando nos voltámos a juntar não nos reconhecíamos. E cada vez mais e mais e mais e somos estranhos, apesar de nos conhecermos desde 1984, ano em que ele nasceu.
Ando à volta com justificações, mas simplesmente não as há. Há. Eu é que não quero escavar tão fundo em mim, com medo de encontrar culpa em mim se o fizer. Será mais fácil deixar a que a situação se arraste e eu vá esquecendo que ele existe até aos momentos dos pequenos encontros ou será até mais fácil culpá-lo de tudo, assumindo que a direcção certa era a minha.

O facto de estar a fazer algo profundamente emocional e doloroso impede-me de ser desonesto. A culpa é repartida em dois. Porque, nas minhas palavras, esse olhar de desprezo não é tão diferente da arrogância a que me votei afirmando taxativamente que sei que não é feliz. Até pode ser verdade que o que faço é desprezível e até pode ser verdade que ele não seja feliz. Mas também podem ser verdade os seus opostos.
Pauso na escrita porque incorro no perigo de o encher de culpa de alto a baixo. Pauso porque quis reler tudo o que estava para trás.
Tantos rodeios e novecentas e sessenta e duas palavras para dizer ao meu primo que gosto muito dele, que quero que ele seja feliz, que me magoa que ele não faça um esforço para compreender o que me faz feliz, que me magoa que já não sejamos próximos, que a culpa também é minha, que não se apagam vinte e dois anos de amizade, que ele pode sempre contar comigo. E já agora que ele soubesse disto.

Vou ter que ser eu a dar o primeiro passo, não é? Não sei se tenho coragem.
 
Comments:
Caríssimo Vodka, só o facto de ainda estares a pensar nisto fala mais que as tuas palavras.
 
Força :-) gostei especialmente deste post pelo abrir dos teus sentimentos, pela partilha. a coragem que precisas está dentro de ti. lembra-te que a força deve vir sempre de dentro para fora. blessed be
 
Vinte e dois anos não explica nada.
Claro que deves fazer o que tens vontade, na minha opinião.

A minha avó viveu 92 anos, morreu no ano passado. Tinha uma amiga desde criança. A amizade delas durou quase a idade dela. E tiveram vidas muito diferentes, percursos diferentes. A amiga era mais velha, morreu com 99 anos.

A minha avó morreu num dia, a amiga no dia seguinte. Parecia que esperaram uma pela outra.

Há pessoas que não se vêem durante anos a fio e quando se reencontram nada se mudou. Tenho 36 anos. Da infância não trago ninguém. O meu irmão, 34. Trás todos os amigos. Depende.

Sou muito independente e é difícil de aceitar. Vivo muito o Vive e deixa Morrer (Live and Let Die). Na minha vida entra e sei muita gente.

Mas cada um é uma pessoa diferente e penso que devemos fazer aquilo em que acreditamos.
 
Basta mudar ali o parentesco (mais um ou outro pequeníssimo pormenor) e estou no mesmo barco. E, sim, ando a tentar ganhar essa coragem que tu ainda não sabes se tens.
 
... toda a escrita que se preze é emocional... quando escrevemos com "o coração nas mãos". Da escrita de um spot publicitário ao e-mail para a pessoa amada a marcar o primeiro encontro...

Sem retirar nada ao que comentei no post anterior, também acontece o que a Teresa escreve "... há pessoas que não se vêem anos a fio e quando se reencontram nada mudou...

Por aqui, as emoções transpiram. Óptimo!
 
o post é muito pessoal e muito abrangente também, e nao, nao me parece contraditorio
chegou a altura de "ficarmos bem connosco" nao?!!!!!
penso que de certa forma é algo que nos acontece a quase todos, em alguns casos prevalece o nunca, noutros tarde demais para colocar de lado o orgulho, ainda outros a oportunidade de colocar "tudo em pratos limpos" e sim trata se de sujo/limpo, a "consciencia" talvez
e quando se tem a oportunidade de resolver algumas coisas, no meio deste complexo "mundo" que somos nos é uma bencao

ps: isto faz-me lembrar um tal jantar em que me perguntaram "hoje estavas muito calada?" ao qual eu respondi "estava no meio de pessoas que nao conhecia e nao me sentia confortavel", nao que faca isso com todas ad pessoas que nao conheco mas percebo agora o contexto e nao deixo de pensar que a nossa sensibilidade é imensa e que cada um reage de formas diferentes, uns silienciosos outros exageradamente comunicativos

ps 2: ja é recorrente, eu sei, mas agora o raio do teclado é "franciu"
 
Engasguei-me. Sufoquei no sentir ao ler este post e nada mais posso dizer pois também a mim falta coragem... Desculpa-me a falta de palavras...

Baci
 
De facto a tua escrita mudou, pelo menos aquela que que partilhas há algum tempo connosco. Mas ela é tua. A partir daí... Beijinho.
 
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