Ler escrever homem mulher
(Está calor. Não é novidade. Enquanto escrevo a gelatina que tenho num copo derrete e já não a vou poder comer. Era de morango. Digo era porque acabou a escorregar lava-loiça abaixo enquanto eu maldizia a minha distracção.)
Encontrei um gancho na minha cama. Sabia de quem era, não partilho a cama com mais ninguém. Os pecados de que falava não são nada comparados com o pecado de não estar contigo. Fiquei a olhar para o gancho e usei-o como marcador de um livro. Um dia ainda o hei-de perder na mochila ou na rua, mas não interessa. Caímos na cama sempre com tanta pressa que antes de voltar a voar ainda encontro outro. Não encontrei outro nem perdi aquele que encontrei. Há dois dias que o pousei no banco onde vou amontoando livros.
Mas vou mesmo voar. Amanhã, antes quando não houver sombra em Lisboa aterro em Paris.
Há pouco menos de um ano, quando cheguei de Berlim, li uma crónica da Clara Ferreira Alves sobre as férias de Verão: ironizava com o facto dos portugueses aproveitarem as férias de Verão para ler e escrever. Ela fazia ao contrário: aproveitava as férias de Verão para não fazer nenhuma das duas, já que passava o resto do ano a fazê-las para se poder sustentar. Achei graça e quis ser como ela. Na altura, pretensão de ser escritor era ainda maior e achava que por esta altura já o seria. Nem por isso.
Faço das tripas, tripas e do coração, coração. Passei o resto do ano a ler pouco e a escrever pouco. Não me dediquei ao trabalho como defendo que deve ser com as grandes obras. Vou passar o Verão a ler e a ler e a ler e a escrever e a escrever. Não me custa: não me faltam ideias para retomar o trabalho, o mesmo que começou em Outubro de dois mil e quatro. O processo é longo eu sei. Pelo menos, agora sei.
Voltei a lembrar-me da frase do Paul Theroux. Não me pretendo perder nem encontrar numa paisagem estranha. Não procuro o outro nem estou com questões de identidade. Não procuro o isolamento para escrever, isso só me rouba ideias, preciso das pessoas.
Vou porque quero devolver o gancho a quem pertence. Falo tanto de amor, neste blogue. Odeio o verbo, já disse, mas adoro o conceito. Estão então explicadas as razões da minha ida. Por amor.
A felicidade é uma unidade de tempo relativa. Mais relativa que o momento ou que a imobilidade fotográfica. Vou para ser feliz.