Ser construtivo
Sete é um número místico. Sem dúvida, desde a antiguidade que há coisas que lhe estão ligadas sem que nós consigamos perceber porquê. O papá que é professor de matemática começaria por dizer que é um número primo e que o conjunto dos números primos é muito interessante, porque não se consegue perceber se é finito ou infinito e que ainda não se conseguiu encontrar uma sucessão capaz de os determinar a todos. Eu também começo pela matemática, nem que seja para deixar essa parte já resolvida.
Sempre houve uma magia qualquer que envolveu os números. Também gosto de números, especialmente de números primos e especialmente do sete. O três também, mas hoje estou virado para o sete.
Discutia religião com alguém. Isto pode dar a entender que a minha vida é interessante e que tenho sempre imensas pessoas interessantes com quem discutir tópicos interessantes e chegar a conclusões interessantes. Certo é que acabo sempre por discutir com pessoas que estão nos extremos da baliza, ou fundamentalistas católicos ou ateus convictos com uma aura de misticismo cartomântico. E eu que gosto de discutir pelo prazer da argumentação.
No seguimento da discussão, disse que achava que saber os pecados mortais era um desperdício de memória e que provavelmente já os tinha cometido a todos. Enumeraram-mos de seguida, abanando a cabeça como se eu não soubesse a mais óbvia das coisas. Mentalmente revia aqueles que tinha cometido e aqueles que não.
Avreza, não; gula, sem dúvida; inveja, não; ira, é possível, mas não me lembrei de nenhuma ocasião; luxúria, sem comentários; preguiça, é recorrente; soberba, o meu pior defeito. De sete ter cometido cinco, deve dar direito a morrer cinco vezes. Devo ser gato, sobrevivi a todos. E ainda me posso dar ao luxo de morrer mais duas vezes.
Com o meu ar mais blasé, respondi que achava ser muito mais importante saber as sete maravilhas do mundo do que os sete pecados mortais. Naturalmente pediram-me para as enunciar, confiando que eu as não sabia,
Colosso de Rodes, Estátua Olímpica de Zeus, Farol de Alexandria, Jardins suspensos da Babilónia, Mausoléu de Halicarnasso, Pirâmides de Gizé, Templo de Diana.
(Na altura enumerei apenas seis, tenho sempre problemas com o Mausoléu de Halicarnasso.)
Ainda fiquei a pensar noutra coisa. Não remontarão as sete maravilhas do mundo à antiguidade clássica, antes de qualquer um dos testamentos? Ou seja, não deveria ser algo que por obrigação cultural nós devêssemos saber melhor que os pecados que cometemos?
É impossível ter uma conduta perfeita. Kant defendia isso no seu livro A Fundamentação da Metafísica dos Costumes: as nossas acções até podiam ser boas, mas se as não fizéssemos com o nosso coração [aqui a expressão ‘coração’ é minha] não seriam boas acções. Dependendo das nossas crenças pessoais, seremos julgados na terra ou num plano metafísico.
De qualquer das formas acho muito mais construtivo saber sobre a beleza do que sobre o pecado.