Fantástica Gramática Automática
Thursday, August 24, 2006
  Especiais
Uma vez, quando tinha catorze anos disse a uma pessoa amiga,
“Há pessoas que são especiais e outras que não, que não interessam para nada. Nós os dois somos especiais”
e continuei numa grande dissertação sobre o destino como entidade reguladora com sentido de humor e com afinidades muito grandes com a lei de Murphy; e isto envolvia uma bola de vólei e um cesto de basquete, uma vez à noite no pátio da escola. Ela ria-se de mim e do meu entusiasmo: estávamos apaixonados. Fomo-nos apaixonando ao longo dos anos e esse amor aos meus catorze anos era tão romântico como um romance do Júlio Dinis. Muito, muito dramático. Muito, muito romântico. Ela ria-se de mim e de eu achar que éramos especiais, ria-se da situação. Ela sempre se riu de mim. Se nos tivéssemos envolvido teria sido como o livro O Paciente Inglês, em que ela lhe batia, mordia e arrancava cabelos.
Lembro-me também de ter nomeado mais umas quantas pessoas que considerava serem especiais. Acho que o critério principal era conhecerem-ME. De facto, a única pessoa especial era eu. Os que não eram especiais eram os tais fracos que a história nunca conta. Queria ser especial porque a mediania me assusta. A própria palavra está muito próxima de mediocridade.
Os anos passaram e intermitentemente essa rapariga e eu fomo-nos encontrando. Passaram, entretanto, quase dez anos desde que isso aconteceu. (Uma coisa é certa, já não sou especial – e o já está a mais porque nunca fui. Talvez seja para os meus pais, como as minhas irmãs são, mas eles não contam. Eles iam gostar sempre de nós.)
Então dez anos e muitas intermitências depois, recordo essa noite. E recordo também algo que me aconteceu, sete meses depois dessa noite. Ensinaram-me que todos somos especiais e únicos. E somos. Nem que seja porque não há dois seres humanos iguais. Não há nada igual. Isso faz com que todas as pessoas sejam especiais.
Se me tivessem dito isto aos catorze anos eu teria anuído, mas teria respondido que as pessoas especiais são aquelas que estão destinadas a algo. Aquilo que uma pessoa atinge e alcança depende unicamente do esforço empreendido. Há uma espécie de relação directamente proporcional entre o esforço sincero e aquilo que se alcança.

Só acredito que sou especial em circunstâncias igualmente especiais. Quando entro num avião, no metro em Londres, Paris ou Nova Iorque, olho para as pessoas à minha volta e penso que hoje não é o dia destas pessoas morrerem. E eu entre elas. E sossego o espírito.

(E contrariamente a tudo o que acima escrevi, há pessoas que são mesmo especiais. Não só são especiais para nós como também são especiais universalmente.)
 
Comments:
"Conhecerem-ME"....já de si é especial, o facto de "conhecer" alguém....no bom e no mau...
Não deviamos consumir pessoas como se consomem os tempos, ou emoções...
 
e sorriso
 
Todo o ser humano é especial. Porque tem peculiaridades ou particularidades exclusivas à sua pessoa.
Se se distingue da mediania, há quem logo a correr o apelide de superior. É um adjectivo com que não simpatizo, porque as massas são pródigas em tentar descobrir seres superiores que produzam milagres económicos ou que ajudem o país a ser campeão mundial de qualquer coisa.
Depois, há quem transponha a fasquia da mediania (claramente por cima) com quem simpatizo, porque defendem modelos sócio-culturais que me são próximos. São os que me merecem simpatia especial. E há os outros, que também transpuseram a tal fasquia mas que não defendem modelos sócio-culturais que me são próximos. Respeito-os mas não os considero especiaalmente.
Não é por acaso que, num restaurante, prefiro um bitoque à "especialidade da casa"; é conhecida e as mais das vezes confeccionada sem prazer.
 
Quando comecei a ler o post ia mesmo escrever "tens o meu carimbo de controlo de qualidade: És especial sim senhor!"

Depois às tantas foste dizendo que já não eras e baralhaste-me. Mas mantenho a palavra :)

...E há sempre aquele personagem totó nos Simpsons que passa a vida a dizer com uma vozinha irritante "I'm special!"...
 
Um dia disseste-me: "São coisas, são só coisas" porque "eu não sou normal, eu não quero ser igual, isso é virar um homem que eu não sou."

Se não és igual, então deves ser especial :) como disseste, todos são especiais.

E todas as pessoas te veêm como especial, só que algumas gostam de ti exactamente por seres especial e outras não gostam de ti pela mesma razão das pessoas que gostam (e quando falo de ti, falo também de mim ou de qualquer outra pessoa). Ou seja, "especial" pode ser positivo ou negativo....ao reconheceres que uma pessoa é especial por ter determinadas características, podes estimar ou não esse particular de cada um.

Para terminar, e com a sensação de que não disse nada de jeito, digo apenas que quem assume não ser igual, assume apreciar em si o facto de ser especial.

beijinho Miguel
 
perdoa-me a ousadia, mas se este post tivesse uma música, acho que esta lhe acentava que nem uma luva! bright eyes - a song to pass the time.

(...)
So there still is hope.
Yes, I can be healed.
There is someone looking for what I concealed in my secret drawer,
in my pockets deep,
you will find the reasons that I can’t sleep and you will still want me.
But will you still want me? (x2)
Well, I say come for the week.
You can sleep in my bed.
And then pass through my life like a dream through my head.
It will, it will be easy. I will make it easy.
But all I have for the moment is a song to pass the time.
Yeah, a melody to keep me from worrying.
Oh, some simple progression to keep my fingers busy.
And words that are sure to come back to me and they'll be laughing.
And they'll be laughing. My mediocrity. My mediocrity.

:) há pessoas especiais, mas nem todos somos especiais.
 
especial? Ah! Ah! Ah! Claro que sim!
 
especial? Ah! Ah! Ah! claro que sim!
 
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