Fantástica Gramática Automática
Monday, August 21, 2006
  Lugares estranhos
Há dois anos atrás, quando vi o Lost In Translation, achei que a tradução era muito má. Entretanto tive um seminário que se chamava estudos de tradução e continuei a achar que a tradução era muito má. Porque embora o filme se tratasse de amor, não tratava o amor como um lugar estranho. Falava das diferenças: de cidades, de realidades, de idades, de concepções, etc. E das traduções/adaptações que duas pessoas diferentes têm de fazer quando se encontram e há um hiato que as separa, qualquer que ele seja. Nunca consegui encontrar – ou fazer para mim mesmo – uma tradução que me parecesse adequada e acabei sempre por falar do filme com o título original.
O amor, no entanto, não deixa de ser um lugar estranho. Só há pouco tempo é que consegui compreender a totalidade, o absoluto desta expressão. E do ponto de vista que eu a compreendo, um ponto de vista muito pessoal e íntimo, acho que não podia ter ficado pior no filme que é. Porque o amor como lugar estranho só faz sentido em situações em que a paixão já desapareceu e só já existe o amor, em que deixa de haver a urgência do sexo, o palpitar desenfreado. É um lugar estranho, o amor, porque nunca esperámos que fosse assim: I am caught in a flow of sound/And you’re just some melody. É suave, é cálido, é estável, já não vive do arrebatamento da paixão.
Vivo na certeza que na situação do filme havia desejo. Mas haveria paixão? Amor? Interessa mesmo saber? Era só um filme… Ainda mais, porque os filmes norte-americanos não mostram a realidade – nem nada que se pareça –, mostram projecções de sonhos e desejos. Dos outros.

O que é um lugar estranho? Um lugar onde nunca estivemos? Um lugar onde não nos sentimos à vontade? Um lugar estranho são pessoas com quem não nos sentimos à vontade? Ou são pessoas com quem nos sentimos demasiado à vontade?
Provavelmente, um lugar estranho é tudo isso. Um lugar estranho, na minha perspectiva pessoal e íntima, é um lugar/situação onde nunca nos encontrámos antes. Ou se encontrámos, ainda não nos sentimos à vontade.
Francesco Alberoni, num dos seus menos aborrecidos livros, O Primeiro Amor, escreveu que o primeiro amor é sempre último que temos, porque é este que sentimos com maior plenitude e consciência. Ou seja, saltitamos de primeiro amor em primeiro amor ao longo de toda a nossa vida. Não concordando totalmente, não consigo deixar de pensar que até um fundo de razão no meio de tudo isso. Porque sentimos esse último amor com uma maior construção de nós próprios e estamos mais despertos. E assim sucessivamente.

O amor é então um lugar estranho porque é sempre algo novo.
Então o nosso corpo/alma faz como sempre fez quando se encontrava em lugares estranhos: adaptou-se com o tempo até deixar de fora a sensação de estranhamento e sentir-se à vontade. O amor ainda é mais amor quando deixa de ser um lugar estranho e passa a ser um lugar conhecido. De apenas duas pessoas, claro está.
 
Comments:
Talvez o amor seja um lugar estrangeiro.
Um lugar que existe mas onde nunca se está, como o Céu, o Inferno, o Purgatório ou as Caraíbas e o Pólo Sul.
Se calhar o amor é o lugar onde queríamos estar, que havemos sempre de buscar, onde nunca estaremos.
Eu nunca estive no amor. Se estive, saí sem saber que era o amor, e depois pensei que sim, esse foi o amor e estava perdido, era um lugar perdido.
Mas o que eu penso sobre o amor não tem muito importãncia. Não sou especialista.
Um beijo.
 
...um lugar comum...de duas pessoas, em determinado lugar no tempo....
 
Gostei mesmo muito desta tua reflexão.
Leio muitas vezes os teus pensamentos, mas desta vez tive de comentar. Primeiro porque adoro esse filme e segundo porque também acho que o filme é sobre o que se "perde numa tradução" e logo o titulo está mal traduzido. Uma tradução de rituais entre culturas, tradução de um pensamento em palavras, uma tradução de olhares... mas as traduções são menores, pois existem sentimentos universais: o Amor, a Fé, a Saudade, a Pertença.
Não interessa o que foi dito entre as duas personagens no fim do filme, interessa é a ligação que ambas tinham.
Isso não carece de traução, pois é universal.

Agora se o Amor é um lugar estranho... é o, sem dúvida!
 
Estranho é o "desamor". Nem quando me acontece a mim deixar de amar consigo perceber o funcionamento deste mecanismo
 
Liebe, ein bequem Platz.- Ich glaube, ja.
 
Errata: onde se le bequem deveria estar bequemer. Bequem adjectiva Platz, que é uma palavra masculina e por isso tem de levar um "er".

Liebe, ein bequemer Platz.- Ich glaube ja.

Errata: mesmo aqui em cima onde se escreve "le", devia haver um chapeuzinho, mas isso já é pedir demais a um computador austríaco.
 
ando há dias a tentar comentar este post, mas não consigo.

[mas lá que existe, existe.] :|
 
Alberoni tem razão. O auto-conhecimento e a experiência de vida (leia-se de pessoas) torna-nos mais avaliáveis... até na valoração do amor. Ou se se quiser, dos amores.
Alberoni não tem razão. O amor mais puro é o primeiro; aquele onde ainda não partimos à defesa, face ao eventual parceiro amoroso.
 
o amor é um lugar estranho porque é feito de palpitações, de sobressaltos e prazeres flutuantes. é uma constante inconstante, o palco vazio da representação sentimental.
é estranho porque é uma mutação continuada, de experiências que ora apertam, ora desatam os laços que prendem duas pessoas.lost in translation chama atenção também para a confusão semântica-percepcional dos sentimentos feitos palavras (ou das palavras feitas sentimento??) - especialmente quando há frases que não podem ser ditas e a comunicação se dá através do silêncio - e o lugar dos amantes apanhados no meio desse processo.

descobri hoje o teu blog.gostei.vou voltar.
 
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