Lugares estranhos
Há dois anos atrás, quando vi o Lost In Translation, achei que a tradução era muito má. Entretanto tive um seminário que se chamava estudos de tradução e continuei a achar que a tradução era muito má. Porque embora o filme se tratasse de amor, não tratava o amor como um lugar estranho. Falava das diferenças: de cidades, de realidades, de idades, de concepções, etc. E das traduções/adaptações que duas pessoas diferentes têm de fazer quando se encontram e há um hiato que as separa, qualquer que ele seja. Nunca consegui encontrar – ou fazer para mim mesmo – uma tradução que me parecesse adequada e acabei sempre por falar do filme com o título original.
O amor, no entanto, não deixa de ser um lugar estranho. Só há pouco tempo é que consegui compreender a totalidade, o absoluto desta expressão. E do ponto de vista que eu a compreendo, um ponto de vista muito pessoal e íntimo, acho que não podia ter ficado pior no filme que é. Porque o amor como lugar estranho só faz sentido em situações em que a paixão já desapareceu e só já existe o amor, em que deixa de haver a urgência do sexo, o palpitar desenfreado. É um lugar estranho, o amor, porque nunca esperámos que fosse assim: I am caught in a flow of sound/And you’re just some melody. É suave, é cálido, é estável, já não vive do arrebatamento da paixão.
Vivo na certeza que na situação do filme havia desejo. Mas haveria paixão? Amor? Interessa mesmo saber? Era só um filme… Ainda mais, porque os filmes norte-americanos não mostram a realidade – nem nada que se pareça –, mostram projecções de sonhos e desejos. Dos outros.
O que é um lugar estranho? Um lugar onde nunca estivemos? Um lugar onde não nos sentimos à vontade? Um lugar estranho são pessoas com quem não nos sentimos à vontade? Ou são pessoas com quem nos sentimos demasiado à vontade?
Provavelmente, um lugar estranho é tudo isso. Um lugar estranho, na minha perspectiva pessoal e íntima, é um lugar/situação onde nunca nos encontrámos antes. Ou se encontrámos, ainda não nos sentimos à vontade.
Francesco Alberoni, num dos seus menos aborrecidos livros, O Primeiro Amor, escreveu que o primeiro amor é sempre último que temos, porque é este que sentimos com maior plenitude e consciência. Ou seja, saltitamos de primeiro amor em primeiro amor ao longo de toda a nossa vida. Não concordando totalmente, não consigo deixar de pensar que até um fundo de razão no meio de tudo isso. Porque sentimos esse último amor com uma maior construção de nós próprios e estamos mais despertos. E assim sucessivamente.
O amor é então um lugar estranho porque é sempre algo novo.
Então o nosso corpo/alma faz como sempre fez quando se encontrava em lugares estranhos: adaptou-se com o tempo até deixar de fora a sensação de estranhamento e sentir-se à vontade. O amor ainda é mais amor quando deixa de ser um lugar estranho e passa a ser um lugar conhecido. De apenas duas pessoas, claro está.