Fantástica Gramática Automática
Wednesday, August 16, 2006
  Maleabilidade
Quando ainda estava a fazer a licenciatura aprendi esta palavra: resiliência. Grosso modo, muito grosso modo, é um sinónimo de resistência. Mas aplicado às crianças. Pode ser considerado uma capacidade que as crianças têm, ou não, de fazer face às adversidades. Quanto mais resiliente a criança for mais capacidade tem para estar em situações adversas ou adaptar-se a elas. Uma das funções do educador de infância que trabalha na creche é desenvolver a resiliência nas crianças.
Lembrei-me desta palavra hoje, não porque andava a remexer em papéis antigos, mas porque tenho andado a pensar sobre viagens e religião. (Mas a religião não é para aqui chamada.) E também sobre a minha resistência à mudança.
Quando andava na creche e depois no jardim de infância a minha resiliência não deve ter sido muito desenvolvida. Se tivesse sido, hoje em dia não seria tão resistente à mudança. No entanto, isso não deixa de constituir um paradoxo: porque ao mesmo tempo que me custa imenso mudar e que os períodos após as mudanças são de uma fraqueza enorme, e por consequência, inércia, os últimos dois anos da minha vida foram, em larga medida, a viajar. E viajar implica uma constante mudança de cenários, de hábitos, de organização. Implicam mudar e mudar e mudar. E tantas vezes esta palavra surge. Esta ou um sinónimo qualquer.

Entretanto lembrei-me de escrever a um dos meus professores a perguntar se a resiliência se podia desenvolver na idade adulta. Acabei por não escrever, mas acho que sim. Há medida que vamos envelhecendo, vamo-nos tornando mais resistentes às aprendizagens, às mudanças, às novas tecnologias. Tornamo-nos acomodados.
Mas não consigo deixar de pensar que me estou a tornar menos resistente à mudança, mais resiliente. Nessa medida, posso afirmar que ainda estou a crescer em vez de estar a envelhecer. E de novo me lembro da universidade e de um princípio pedagógico: ao longo da vida, uma pessoa não cessa de crescer e aprender. Mentira. Há pessoas que a partir de determinada idade começam a envelhecer. E outras há que envelhecem desde que nascem, que nunca chegam a crescer.
Quando olho para trás e penso no meu percurso, emocional, académico, familiar, creio que durante muito tempo envelheci. Envelheci precocemente. Depois parei. Agora sinto que finalmente estou a crescer aquilo que devia ter crescido. Algo que as pessoas confundem com alguma frequência é crescer com envelhecer. Eu quero chegar a uma idade avançada sem ter envelhecido, apenas crescido.
Uma das formas para se desenvolver a resiliência é através de pequenas vitórias, pequenos passos que vão sendo dados. Depois de ter parado de envelhecer, recomecei a viajar. E soube-me tão bem. E li vários ensaios e textos sobre as viagens e nenhum deles consegue explicar aquilo que sinto quando viajo. Suponho que viajar é como a linguagem, uma experiência pessoal e íntima, que pode ser partilhada, mas que tem uma semântica individual e característica de cada indivíduo. Subjectiva.
Matematicamente, e pondo fim ao paradoxo que estabeleci, a minha resistência à mudança é inversamente proporcional aos quilómetros que faço. Quanto mais viajo menos resistência à mudança tenho. Nos últimos dois anos viajei mais do que nos resto da minha vida toda. Gosto dos aeroportos, estações de comboios e terminais de autocarros, gosto das pessoas e gosto de me sentir entre elas.
 
Comments:
Caro, caro, caro Vodka, viaja, viaja e viaja ainda mais, não existe muita coisa melhor que viajar.
 
Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
(...)
Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidade eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora.

Parabéns pelo teu blog. Está muito bom e tornou-se uma leitura obrigatória para mim.
Gosto de te ler, principalmente por te considerar complementar a mim.
Tu saíste de Portalegre para (tentares) te encontrar em Lisboa.
Eu tento o inverso!
Avisa quando sair o teu livro, para que o possa comprar.

ana cila
 
que bom que é voltar aqui.
crescer e envelhecer, muito bem sacado!
 
Tipo... cresce e aparece*?...[*num qq destino claro]...:)
 
fiquei siderada com esta frase "E outras há que envelhecem desde que nascem, que nunca chegam a crescer."... não consigo dizer mais nada... vou tomar um banho e pensar neste teu texto, há nele coisas de mais que me lembram de mim...
 
Fizeste-me lembrar um senhor de quem gosto muito: Jacques Brel. Ele tem uma musica chamada La Chanson Des Vieux Amants e diz:

Finalement finalement
Il nous fallut bien du talent
Pour être vieux sans être adultes

viajemos então
 
Passo por aqui regularmente e quero dizer que ao longo do tempo os textos são cada vez melhores. Será das viagens? Ou da tal resilência?
Um abraço da Papoila
 
Pois ...
 
Viajar. Conhecer outros lugares e pessoas. Nunca perderei esse hábito... de aprendizagem; enquanto puder. A resistência (ou a desistência?!) do acompanhamento e participação da evolução do homem é a mãe da maioria dos males do mundo. Quem abdica do conhecimento, passa-se para o "lado do inimigo".
 
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