Maleabilidade
Quando ainda estava a fazer a licenciatura aprendi esta palavra: resiliência. Grosso modo, muito grosso modo, é um sinónimo de resistência. Mas aplicado às crianças. Pode ser considerado uma capacidade que as crianças têm, ou não, de fazer face às adversidades. Quanto mais resiliente a criança for mais capacidade tem para estar em situações adversas ou adaptar-se a elas. Uma das funções do educador de infância que trabalha na creche é desenvolver a resiliência nas crianças.
Lembrei-me desta palavra hoje, não porque andava a remexer em papéis antigos, mas porque tenho andado a pensar sobre viagens e religião. (Mas a religião não é para aqui chamada.) E também sobre a minha resistência à mudança.
Quando andava na creche e depois no jardim de infância a minha resiliência não deve ter sido muito desenvolvida. Se tivesse sido, hoje em dia não seria tão resistente à mudança. No entanto, isso não deixa de constituir um paradoxo: porque ao mesmo tempo que me custa imenso mudar e que os períodos após as mudanças são de uma fraqueza enorme, e por consequência, inércia, os últimos dois anos da minha vida foram, em larga medida, a viajar. E viajar implica uma constante mudança de cenários, de hábitos, de organização. Implicam mudar e mudar e mudar. E tantas vezes esta palavra surge. Esta ou um sinónimo qualquer.
Entretanto lembrei-me de escrever a um dos meus professores a perguntar se a resiliência se podia desenvolver na idade adulta. Acabei por não escrever, mas acho que sim. Há medida que vamos envelhecendo, vamo-nos tornando mais resistentes às aprendizagens, às mudanças, às novas tecnologias. Tornamo-nos acomodados.
Mas não consigo deixar de pensar que me estou a tornar menos resistente à mudança, mais resiliente. Nessa medida, posso afirmar que ainda estou a crescer em vez de estar a envelhecer. E de novo me lembro da universidade e de um princípio pedagógico: ao longo da vida, uma pessoa não cessa de crescer e aprender. Mentira. Há pessoas que a partir de determinada idade começam a envelhecer. E outras há que envelhecem desde que nascem, que nunca chegam a crescer.
Quando olho para trás e penso no meu percurso, emocional, académico, familiar, creio que durante muito tempo envelheci. Envelheci precocemente. Depois parei. Agora sinto que finalmente estou a crescer aquilo que devia ter crescido. Algo que as pessoas confundem com alguma frequência é crescer com envelhecer. Eu quero chegar a uma idade avançada sem ter envelhecido, apenas crescido.
Uma das formas para se desenvolver a resiliência é através de pequenas vitórias, pequenos passos que vão sendo dados. Depois de ter parado de envelhecer, recomecei a viajar. E soube-me tão bem. E li vários ensaios e textos sobre as viagens e nenhum deles consegue explicar aquilo que sinto quando viajo. Suponho que viajar é como a linguagem, uma experiência pessoal e íntima, que pode ser partilhada, mas que tem uma semântica individual e característica de cada indivíduo. Subjectiva.
Matematicamente, e pondo fim ao paradoxo que estabeleci, a minha resistência à mudança é inversamente proporcional aos quilómetros que faço. Quanto mais viajo menos resistência à mudança tenho. Nos últimos dois anos viajei mais do que nos resto da minha vida toda. Gosto dos aeroportos, estações de comboios e terminais de autocarros, gosto das pessoas e gosto de me sentir entre elas.