Fantástica Gramática Automática
Friday, September 01, 2006
  Trabalho de férias
Epístola
It’s all very well
Learning poetry by heart
But it doesn’t mean that we have to live like poets
– The French

Introdução
Nos últimos três dias, que correspondem aos últimos três dias do mês e aos últimos dias em Grenoble reuni vários pensamentos que fui escrevendo. Às vezes frases, outras vezes pequenos textos e sensações. Dos vários que escrevi, tentei desenvolver, mas nenhum permitia um grande desenvolvimento. Nem eu me sentia capaz de o fazer.
A vida de qualquer pessoa divide-se entre a esfera pública e a esfera privada. Nunca tive problemas com essa divisão, até começar a escrever um blogue e um diário. Há mais lugares de escrita e nem sempre percebemos o que é que pertence a quê. Ou onde é que devia ser escrito. O que piora a situação: qualquer acto de escrita ser sempre um acto autobiográfico, porque assenta na experiência do autor.
Verdades, meias verdades, omissões e mentiras. O que escrevo de seguida está assente na minha experiência e na forma como aprendi a ver e apreender a realidade.

Parte Primeira
Se a experiência, quer seja de vida ou de outra coisa qualquer, é fundamental para a escrita (porque todo o acto de escrita é autobiográfico), porque é que eu insisto obstinadamente em não sair de casa?

Parte Segunda
Subi a montanha, escrevi quatro postais no topo e desci a montanha. Quando passei pelo correio, deixei-os endereçados a Portugal. Para quatro moradas diferentes. No dia seguinte, enviei o quinto.
Subi a montanha, sozinho. À minha volta, imensos desportistas, alpinistas, caminhantes, trepadores. Ouvia música, no meio da natureza e parava para fumar cigarros. Tossia muito, mas quando passavam pessoas ficava envergonhado e parava; não queria que me vissem o vício. Lembrei-me do Trainspotting: a determinada altura vão todos para o meio do nada, sobem uma montanha com um saco de plástico cheio de cerveja. A imagem é tão decadente quanto bela, rompe com qualquer normalidade (artisticamente falando). De certa forma eu era eles: no meio da natureza, fechava-me em mim e ouvia música, fechava-me nos meus ouvidos. Lembrei-me do filme porque entre a música e a cerveja, não distávamos muito. E apetecia-me estar embrutecido.
Tinha já andado alguns quilómetros quando me decidi a ainda subir a montanha. Estava no ponto de equilíbrio entre os quilómetros que andava e os cigarros que fumava. Anulavam-se, fiquei no zero. E parava para fumar um cigarro com o pretexto de escrever mais um postal.

Parte Terceira
Doem-me as pernas e dói-me a alma. Gosto dizer que me dói a alma porque quer dizer que não é dor, é apenas uma sensação. E não é palpável. Há já muito tempo que estou inquieto. Provavelmente desde que tive consciência de mim,
coisa estranha,
fiquei com vontade de dizer a muitas pessoas que gostava delas. De todas as pessoas a quem queria dizer que gostava delas, apenas disse a três: no entanto, acho que não compreenderam muito bem a necessidade que tive de lhes dizer isso.

Parte Quarta
It’s just a day like any other day
A beautiful day
For an accident, let’s say
– Zero 7
Sempre pensei que se me quisesse suicidar resolvia tudo primeiro. Diria às pessoas de quem gosto que gostava delas e às pessoas de quem não gosto que não gostava delas. No entanto, se resolvesse todas as minhas questões já não tinha vontade de me suicidar. E lembrei-me de chamar a essa sinceridade próxima do suicídio, sinceridade pura – uma espécie de altruísmo.
Isto tudo junto do supremo acto de egoísmo.

Parte Quinta
Because I am a gentle man
Think of me as just your fan
Who remembers every dress you ever wore
– The Magnetic Fields
Estou na lavandaria e tiro a roupa da máquina de lavar. No meio de camisolas grandes estão camisolas muito pequenas. E também cuecas de mulher. E um soutien. Enquanto arrumo a roupa no saco sinto-me feliz. Porque tomo conta de alguém e alguém toma conta de mim.

Conclusão
Às vezes acho que aquilo que escrevo é extremamente aborrecido e sem qualidade, especialmente quando penso que poderia escrever crónicas numa revista ou num jornal. Sinto que é como um céu cinzento num dia ventoso de Outono. Provavelmente estas dúvidas cerca da minha escrita são uma tentativa de me localizar.
Onde é que estou? Em Grenoble, a caminho de Lisboa via Paris. Onde é que estou? Em casa (You want me to come home. But I am home). Onde é que estou? No início.
 
Comments:
De repente, apetece-me voltar ao início das férias, deixar o mar e encontrar uma montanha dessas, que me faça ter vontade de dizer o que sinto a algumas pessoas.
 
Privado+público, montanha+cigarros, máquina de lavar+viagem. Caro Vodka, belas misturas.
 
Onde estamos? o que ficcionamos na realidade? o quê (ou quem) pretendemos atingir com o exercício da escrita?

Questões que se colocam bastas vezes na blogsfera, mas a maioria das vezes sem resposta cabal, uma vez que o espaço virtual permite um jogo de espelhos multifacetado e, embarcar nesse jogo (ou logro?) é extremamente apelativo e... emocionante.

Este texto -de concepção muito bem trabalhada, na minha opinião aborda algumas das questões acima sugeridas mas sem pretender saltar a fronteira que o dono das imagens escritas se impôs a ele próprio; que o suspense é a alma da escrita.
 
Bom. como sempre.
 
Aqui encontrei o mesmo motivo que me levou a gostar tanto do teu livro. Já há algum tempo que não o via nas tuas coisas. Mas quando aparece fico estupidamente orgulhosa. Gosto muito de ti.
 
(...)
So if I just exist for the next ten minutes of this drive that would be fine.
And all these trees that line this curb would be rejoicing and alive.

:)
 
Parece-me que quem deixa aqui comentários são essencialmente amigos (grandes amigos) do autor do blogue.
Pois bem, eu não sou amiga e nem te conheço de vista, mas venho aqui muitas vezes para te ler.
Normalmente, gosto do que leio. Nem sempre gosto muito, nem sempre está excelente. Mas a maior parte das vezes está bom o suficiente para me fazer voltar.
Mas este post... não está bom. Desculpa, mas se isto está escrito à pele, como parece que está (ou seja, não está escrito de forma a que pareça, é), então está sem nexo nehum.
Falas de suícidio e de amor. Queres sair, mas gostas que tomem conta de ti ao mesmo tempo que tomas conta de alguém. Achas que tens que sair à rua para viver e escreveres, mas fechas-te a ti próprio, por meio da banda sonora que tu próprio escolhes....
Falta-te fazer uma qualquer reflexão a teu respeito... Em termos de escrita (que eu percebo pouco) está bom de ler, tem ritmo, tem força. Mas, em termos de conteúdo está fortemente incoerente.
A dúvida que me ficou é se isto é um mero exercicio de escrita, ou se isto é o que sentistes e viveste nesses últimos dias de férias.
Porque (eu convivo com muita malta ligada às artes) tenho aprendido que, quando as pessoas tem alguem em boa consideração e não entendem o trabalho dessa pessoa em dado momento, tendem a defendê-lo como muito bom, demais, grande UAU. E, eu acho, que cabe a quem escreve (se quer ser bom a uma escla maior que a das amizades) procurar criticas mais imparciais e menos amáveis. Precisamos sempre de suficientes provas de vida para sermos fortes e de suficientes tristezas para sermos humanos.
Gostava de ouvir a tua argumentação a este comentário.(a dos amigos, desculpem, mas dispenso. Já sei que vão defender com a raiva toda que vos corre no sangue)
 
bonito, muito....
 
A parte quinta (sobretudo esta, mas as outras também, até poque se calhar uma não faz sentido sem as outras) é perfeita; a imagem, a sua descrição e a sua conclusão. Simples e belo. Gostei muito.
 
Maria:
Por favor, escreve-me para o mail da Fantástica Gramática Automática (fgautomatica@gmail.com) para ficar com o teu contacto e responder longa e honestamente.
Obrigado.
 
Maria:
Por favor, escreve-me para a morada da Fantástica Gramática Automática (fgautomatica@gmail.com) para ficar com o teu contacto e te responder.
Obrigado.
 
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