Crucificação segundo Eça de Queirós
Ergui os olhos para a cruz mais alta, cravada com cunhas numa fenda de rocha. (…) Aquele corpo que não era de marfim nem de prata, e que arquejava, vivo, quente, atado e pregado a um madeiro, com um pano velho na cinta, um travessão passado entre as pernas – encheu-me de terror e de espanto… O sangue que manchara a madeira nova enegrecia-lhe as mãos, coalhado em torno aos cravos: os pés quase tocavam o chão, amarrados numa grossa corda, roxos e torcidos de dor. A cabeça, ora escurecido por uma onda de sangue, ora mais lívida que um mármore, rolava de um ombro para o outro docemente; e por entre os cabelos emaranhados, que os suor empastara, os olhos esmoreciam, sumidos, apagados – parecendo levar com a sua luz, para sempre, toda a luz e toda a esperança da Terra…
Excerto retirado de: QUEIRÓS, Eça (1967). A Relíquia. Lisboa: Edição Livros do Brasil (p. 191).