Ler poesia – segundo tratado de criatividade e ideias
Não sei ler poesia. Por muito que gostasse ou que seja uma actividade profundamente romântica não o sei fazer, nunca soube. Talvez uma ou outra coisa, algo que seja do conhecimento geral. Mas poesia que seja digna desse nome, nunca fui capaz.
O que é poesia?
Palavras e versos e estrofes e opus, epopeias, sonetos quadras, dísticos heróicos e que mais? Mas não é só isto, isto é a técnica, como manejar um pincel ou um cinzel ou uma rebarbadora ou uma régua, um esquadro ou um compasso de música numa pauta. Técnica. Ir buscar exemplos de pintura ou escultura seria sempre cair na tela ou na pedra, sem respeito pelos materiais, sem considerar a evolução modernista e pós-modernista.
Ao olhar para um poema, não consigo ter a mesma experiência sensitiva que tenho quando olho para outro qualquer sistema sígnico artístico, as palavras remetem para um universo que não sou capaz de penetrar com a mesma facilidade. Seja porque razão for, não sou capaz de ler poesia. Reconheço a beleza e a inteligência do processo de autores quando mos explicam. Mas não sou capaz de fazer esse exercício: fará de mim um mau académico não compreender, não conseguir des-cobrir as intertextualidades presentes naquilo que será sempre muito óbvio para um espírito treinado.
Há alguns anos atrás, quando comecei a escrever mais a sério, atirei-me à poesia. Escrever um livro era uma maratona demasiado longa para os meus pulmões de fumador e nunca tinha nenhuma ideia interessante. A poesia era mais fácil: juntavam-se palavras com desgostos de amor e ideias parvas de suicídio e lá se compuseram mais de cem poemas miseráveis em três anos (nos quais não se inclui a entrada anterior). Quando olho para trás e releio algumas das coisas que compus, até acho que algumas são boas, mas nunca poderão ser consideradas poesia; e porquê? Porque não foram compostas, porque foram escritas como um amador, como alguém que atira palavras ao ar, alguém que não tem a precisão de um atirador de facas. E deixei de escrever poemas.
Entretanto escrevi um livro e descobri que escrever um livro é muitas vezes uma maratona para quem tem pulmões de fumador.
Tive oportunidade de assistir a um dos últimos seminários de Manuel Gusmão. Reformou-se. Não que tenha compreendido sempre o que ele pretendia dizer, mais, acho que ele me compreendia melhor do que eu gostaria, assim como compreendia Rimbaud, Baudelaire e Victor Hugo. Lia esses poetas como quem bebe água, com a maior naturalidade e com a maior facilidade; da mesma forma com que falava de Godard, modernismo e Dalí. Para se poder ler poesia tinha que se ler como o Manuel Gusmão, ou então não vale a pena ler. Eu não sei ler.
Por isso os meus poemas não são poemas, porque nãos e podem ler através da spalavras, porque são ocos, são ampolas vazias.
Acabei sempre por escolher o caminho mais fácil, o do romance e de alguns contos para os quais tenho ideias sem confiar na inspiração, musa maldita dos amadores.