O meu Outono interior
Oh, pedaço de mim/Oh, metade afastada de mim/Leva o teu olhar/Que a saudade é o pior tormento/É pior do que o esquecimento/É pior do que se entrevar/Oh, pedaço de mim/Oh, metade exilada de mim/Leva os teus sinais/Que a saudade dói como um barco/Que aos poucos descreve um arco/E evita atracar no cais/Oh, pedaço de mim/Oh, metade arrancada de mim/Leva o vulto teu/Que a saudade é o revés de um parto/A saudade é arrumar o quarto/Do filho que já morreu/Oh, pedaço de mim/Oh, metade amputada de mim/Leva o que há de ti/Que a saudade dói latejada/É assim como uma fisgada/No membro que já perdi/Oh, pedaço de mim/Oh, metade adorada de mim/Lava os olhos meus/Que a saudade é o pior castigo/E eu não quero levar comigo/A mortalha do amor/Adeus – Chico Buarque
Quando olho para esta letra, que quase soa a poema, que o Chico escreveu, sinto que não preciso de mais palavras. Mas às vezes temos que fazer da nossa fraqueza força e empurrar as lágrimas para dentro. O meu Outono começou quinze dias depois. Não foi duas semanas depois, quinze dias. Com cada hora e cada minuto. Foi a desfolhada que caiu com o vento da noite anterior para a manhã de hoje. Acordar com a janela aberta quando me lembrava de a ter fechado. Mas interessa isso para quê? Interessa que o Outono realmente começou. Regressava no carro e dizia ao V. e à M.V. que o Outono é um período de renovação, que é uma boa altura para trocar de pele, para começar coisas novas. Física, biológica e espiritualmente. Depressa a conversa resvalou para o que as pessoas gostam e não gostam nas determinadas estações do ano. Mas interessa mesmo? Não, claro que não.
Não me alongo nem me estendo, na cama ou nas palavras. Tenho sono e estou cansado, tenho sentidos e sentimentos mas não os consigo escrever. Faço-o pelas palavras e música de outros, melhor forma que consegui, até agora, para me expressar. Talvez se soubesse tocar um instrumento, se soubesse manejar as minhas mãos, que não fosse apenas para carregar uns botões num rectângulo à minha frente. Fica para uma próxima vez, daqui a um dia ou dois, quando achar que o Outono é uma coisa boa e quando já tiver feito as pazes com as folhas castanhas dos plátanos que não foram cortados no largo em frente à minha casa. Até lá fica a canção do Chico a ressoar na minha cabeça e por mais que tente que ela não esteja, está. E talvez nem eu queira que se vá. Fica assim, triste. Vá, não custou muito, já está.