A pragmática dos ignorantes
Estava a ouvir um conversa e não me apetecia participar. Ultimamente tem-me apetecido mais ficar calado do que falar. Acho que me cansei da minha própria voz, ou da labrega ingenuidade das minhas afirmações. Deixei-me estar a ouvir e era assim,
Um euro é um euro e um cêntimo é um cêntimo. Tu podes fazer descontos e atenções, mas as máquinas do metro e do tabaco não fazem. Ah pois é!
Era qualquer coisa sobre preços e descontos. Fiquei a pensar nisto, mas como não havia muito para pensar pensei em ti
(porque ainda ontem tirava os lençóis da máquina e ainda encontrei a mancha de rímel
“Continuo a dormir contigo.”)
E a constatação é uma coisa fantástica, a pragmática assente no concreto: uma casa de tijolos
(também pode ser madeira ou betão armado)
[e palha se pensarmos nos três javardos
ah, Alentejo]
não deixa de ser uma casa de tijolos. Com humidade ou sem ela. Com trepadeiras de caruncho parede acima ou abaixo. Mas antes do rímel de dos lençóis e da minha cama
(contigo),
Um euro é um euro e um cêntimo é um cêntimo. Tu podes fazer descontos e atenções, mas as máquinas do metro e do tabaco não fazem. Ah pois é!
A sabedoria com que isto foi dito, a verdade suprema universal e incontestável espantou-me. E como se sentisse confortável com isto, coçou-se em baixo. E ele não fuma. Mas anda de metro. Foi neste ponto que concluí que a pragmática excluía contextos e humanizações e maquinações
(maquinizações?)
Por momentos deixei de ouvir as vozes para me concentrar no barulho dos lençóis quando estamos sobre eles.
Por mim podia ter mesmo saído dali e voltar para ti. Quis lavar dos lençóis o teu cheiro para que as saudades não doessem tanto. Mas uma parte de ti não saiu
(quando sinto as tuas pernas sobre mim, a minha mão e enganchar-te o cheiro da nuca não saiu
talvez dos lençóis, mas não de mim).
Cheira a lavado e a detergente, mas a mancha que a tantos tira-nódoas resistiu está lá. O rímel que me acorda de noite, que me tira do sono. Porque com a cabeça mole e meio morta na almofada vejo a mancha preta que não alastra mas que te devolve a mim, que te faz voltar tantas vezes e para sempre.
Em mim.
Puxo-te pela mancha e já cá estás, e já estão a tuas pernas sobre mim. Ficamos assim. Em silêncio também se conversa tão bem e tens as pupilas tão dilatadas que diria que é de lá que a mancha sai. Da minha almofada para os teus olhos. Mas foi dos teus olhos
(pestanas)
para a minha almofada. Assim tenho-te todas as noites. É por isso que durmo.
Ouve, um euro é um euro e um cêntimo é um cêntimo. Tu podes fazer descontos e atenções, mas as máquinas do metro e do tabaco não fazem. Ah pois é!
“Está calado” (estou a namorar-te a cativar-te e ter-te com todos os sentidos),
Felizmente tenho passe
(e o tabaco ainda não se acabou.)