Foi natal mas natal é todos os dias

Foi no Verão que a irmã disse que era natal
(e foi em Palmela ao pé da auto-estrada e do castelo e à noite estava frio)
e cantava uma canção e tinha a cara pintada de branco e umas asas da mesma cor porque estava vestida de anjo
(e havia um boneco de neve que não derretia porque era de espuma.)
Vestiam-se dentro de uma casa de qualquer coisa
(acho que era um café
e não eram nem anjo
nem boneco de neve
de verdade, tinham fatos e pintavam-se)
e saiam para a rua a dizer que era natal no Verão porque natal é todos os dias. E sorriam o sorriso mais amarelo que já vi
(porque os dentes eram menos alvos que os fatos)
e porque tinham que estar tristes. Acho que o natal é uma época triste. O anjo e o boneco de neve também achavam e nunca chegámos a dar as mãos e cantar essa canção em latim que cantavam
(o boneco de neve desafinava tanto
- Ui.)
Se eu tivesse uma garganta de neve também desafinava tanto como o boneco de neve, mas como ele
(era uma ela e o nome também começava por M.)
era feito de espuma e não de neve não tinha desculpa, cantava mesmo mal. Mas como diz o ditado,
- É natal ninguém leva a mal
(foi ela que me disse isto quando estávamos no carro e eu já desesperava
por um beijo
ou ir-me dali
para aqui e ficar sossegado.)
ainda tentei encontrar outra festa no calendário pagão e cristão que pudesse rimar com mal e fazer um novo ditado
(nem por isso.)
Foi no Verão e tínhamos acabado de vir de Berlim e celebrámos o solstício um mês depois no castelo de Palmela
(ao pé da auto-estrada)
enquanto fazia um frio desgraçado e nenhum de nós tinha agasalho. Vimos tudo abraçados.