Fantástica Gramática Automática
Tuesday, January 30, 2007
  Inter Artes
É tão Inverno, aqui, onde a terra começa
(esta terra, sem qualquer referência ao mar e ao rio, sem qualquer outro indicativo geográfico, não interessa onde estou)
e se vê o rio bem lá ao longe. Era uma
(não vez)
daquelas tardes em ficámos na cama até tarde, ou que nos deitámos cedo porque o dia escurecia tão cedo e não havia sol que fizesse luz. O sol não se pôs à nossa frente
(nem o vimos nascer porque a nuvens tapavam o céu)
porque as janelas onde isso acontecia ficavam no outro lado da casa. Ficávamos deitados dias inteiros a ver chover, sem acender uma luz, sem comer uma bolacha ou uma fruta qualquer velha no fruteiro quase sempre vazio. Víamos o dia começar e acabar pela quantidade de autocarros que passavam, pelo movimento da escola
(se não fosse Sábado ou Domingo)
e do quiosque. Eram os dias que chovia. Nesses, o céu de nuvens, reflectia o cor-de-laranja dos candeeiros
(um dia ainda hei-de escrever um livro em que use esta imagem: porque é tão bonita, porque o céu tingido só acontece quando há nuvens para reflectir o candeeiro e dá uma aura esotérica às cidades, especialmente Évora, porque se escrever um romance há-de ser passado em Évora)
ou seria amarelo. O céu não era escuro e ganhava cores, como uma feira popular cujos carrosséis não estavam oleados e os empregados consumiam drogas leves e usavam brincos e tinham tatuagens. E os churros e massa frita e algodão doce tinham tanta gordura que passados dias ainda arrotávamos a feira e tínhamos azia da montanha russa. Mas até então estávamos no quarto e a luz que lá dentro tínhamos
(além da poça na varanda que alastrava com os pingos de chuva que decidimos ignorar)
era a da rua, dos candeeiros e dosa faróis dos autocarros que cada vez menos passavam.
(Por ordem dessa altura que a conversa verbal parou e começámos a conversar com os gestos, com o toque e não sei que mais, não me consigo lembrar de tudo o que se passava nessas tardes na férias de Natal que eu imaginava, porque também não sei se elas aconteceram mesmo
terá sido?
sim, quero crer que sim
ou apenas uma representação minha, um desejo que ficou por completar e que registei para que não se esvaísse a memória como a areia da praia fina entre as mãos.)
Afinal não era nem uma coisa nem outra – foi uma experiência que fiz, algo que escrevi porque uma canção me avivou aquilo que eu julgava já esvaído e vazio.

A partir da música Nobody Has To Say (Nervous & Blandow C. Remix) por Shawn Parke. Original de Mirah.
 
Comments:
e essas mesmas nuvens têm de estar baixas e carregadas de chuva por cair.
 
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