Nuvens ao fundo do túnel
Nuvens ao fundo do túnel porque no vidro de trás do carro ainda aparecia um sol de tarde de Outono
(vermelho encarnado laranja
e juro que ainda tinha um pouco de roxo)
que se reflectia nessas nuvens que estavam a ficar para trás e não tinham nada em comum com a gravidade escura da nuvens pretas e cinzentas claras e cinzentas escuras
(tão óbvias as paletes cromáticas)
que se revelavam no final do túnel. E porque a despedida se fazia já há dias, no sol que se escondia atrás das nuvens sobre os prédios de Odivelas
(porque é verdade que o túnel existe mesmo
e é aquele túnel que faz a ligação entre o IC17 e a A8, o do Grilo)
e era até uma imagem tão bonita e nós no carro íamos como que para o cadafalso. O aeroporto que em tempos foi apenas para viajar, em que entrava em aviões e estava noutro lado
(é tão estupidamente dolorosa a despedida e de seguida sorrio com a voz
-Olá boa tarde fala Miguel Ceia da PT comunicações e quer e compra e vê e é barato
e é tão ignóbil o momento em que nos separamos e a pragmática da vida diária, a da gasolina do carro, do passe, das listas de compras, da mudança da casa que a dor se torna ainda mais estupidamente pungente.)
E depois de cinco minutos no bar do aeroporto, um abraço em que senti os teus seios a esmagarem-se contras as minhas costelas
(foi sensual, transformava-me em hermafrodito contigo)
os teus lábios as ficaram esmagados contra os meus num beijo que podia ter feitos sangue. Desviaram o olhar que eu espreitei. E não fez sangue que se visse, apenas sentisse dentro de nós.
Paguei o parque, meti a primeira e arranquei
(o céu era mesmo escuro da noite e das nuvens que tinham escondido o sol na direcção sul porque no norte, nos prédios de Odivelas ainda estava visível, entre dois paralelepípedos de betão armado coberto pelas nuvens)
para a Rotunda do Relógio
Olivais
Cabo Ruivo.
Na ignomínia temporal.