Ensaio parcial sobre a Honestidade Intelectual
Publicado em livro, mas escrito no balcão de um peep-show, ou assim nos fez crer que o escreveu, pelas palavras de Mondrian Kilroy. E vai assim,
POOMERANG: Se um assaltante de bancos vai parar à cadeia, porque é que os intelectuais andam à solta?
As ideias são como as galáxias de pequenas intuições, uma coisa confusa, que está sempre a modificar-se e é substancialmente inutilizável para efeitos práticos. São belas, nada mais, são belas. Mas são uma confusão dos diabos. As ideias, se estiverem no estado puro, são uma maravilhosa confusão. São aparições provisórias de infinito. As ideias «claras e distintas» são uma invenção de Descartes, são uma fraude, não existem ideias claras, as ideias são obscuras por definição, se se tiver uma ideia clara, é porque não é uma ideia.
Quando se exprime uma ideia dá-se-lhe uma ordem que ela na origem não possui. Seja como for, tem de se lhe dar uma forma coerente, e sintética, e compreensível para os outros. Enquanto nos limitamos a pensá-la, ela pode permanecer a maravilhosa confusão que é. Mas quando decidimos exprimi-la começamos a eliminar qualquer coisa, a resumir outra parte, a simplificar isto e cortar aquilo, a arrumar o todo dando-lhe uma certa lógica: trabalhamo-la um pouco, e no fim temos uma coisa que as pessoas podem compreender. Uma ideia «clara e distinta». Mas já não são ideia. São detritos de ideias organizados magistralmente até se tornarem objectos solidíssimos, mecanismos perfeitos, máquinas de guerra.
BARICCO, Alessandro (2000). City. Oeiras: Difel, 162-164.