Os teus pés dentro das sandálias
Lembrei-me de como o próximo Verão vai ser
(mais a sandálias dos atilhos que subiam pelas tuas canelas, que é delas?)
embora estivesse apenas a pensar em sol e praia. Lembrei-me do Verão pelas sandálias que nãotrazias calçadas
(nem sequer olhava para os teus pés porque não estás aqui.)
Gostava de te ver a calçar as sandálias, a evitar a fivela e a apertar o cabedal contra a barriga da perna
(o desequilíbrio do teu corpo a mala que escorregava braço abaixo o pé coxinho e invariavelmente caias em mim
não em ti
para não caíres no chão, para que ficasses de pé)
onde ficavam pequenos vergões que se dissipavam com o retomar da circulação. Cruzavam os atilhos à frente e atrás, contrastava o castanho cabedal com a alvura da tua pele
(“Detesto ser tão branca”
não me consigo lembrar porquê, mas até tu dizeres que não gostavas de ser tão branca eu nunca tinha pensado que gostava
ou não
das pessoas pela cor da pele. Achava-as bonitas ou feias ou o que quer que fosse não pela cor, mas pela forma do nariz, tamanha das orelhas e maçãs do rosto
mas as maçãs do rosto já falei e gostava tanto das tuas que não me importava delas brancas
ou vermelhas depois do sol. Gosto das imperfeições como algo irrepetível. Gosto de ti tão branca que não percebes. Como gostaria de ti tão de outra cor que também não irias perceber. Porque continuo a gostar das pessoas não pela cor da pele)
uma marca ainda mais branca e lá iam os atilhos perna acima coxa acima. Era só uma volta que davam, o pulo na dificuldade dos calcanhares e andavas quase no pé do chão
(o Pulo do Lobo virava Aquiles)
mas não era isso que me fascinava, era imaginar que os atilhos não paravam de subir, mesmo já escondidos na saia branca
(de flores verdes e vermelhas que levaste para o nosso primeiro encontro)
imaginava-os a subir em movimento circular sensual, já na coxa,
(descruzaste as pernas e levantaste-te da esplanada, nem atilhos nem pernas
barrigas e coxas
não reparaste que te movias sem pernas, que tinham ficado ali, fixas no meu olhar, que te tinha imobilizado e essa imagem lentamente desaparecia, se diluía com a subida do mercúrio, com o fumo do cigarro que tinhas preso entre o indicador e médio
foi que sopraste as tuas pernas dos meus olhos)
descem de repente os atilhos, até aos pés, ao Pulo de Aquiles, presos lá que não saem. Olhei para as tuas pernas, para os teus pés, nus sobre a cama o cheiro a verniz vermelho, umas botas abandonadas ao lado da cama e um par de meias que não sei onde
(por aí talvez.)
Não te pergunto pelas sandálias que nãotrazias mas vejo-te quase nua, dos tornozelos para baixo,
Já é Verão?