O espelho escuro
Ocorreu-me escrever sobre espelhos, não sobre o reflexo ou Narciso
(que parte o coração de Echo)
mas sim num sentido de reflexão. Reflexões escuras e sombreadas na caverna de Platão, uma luz negra que nos permite ver em negativo
(como roupa do avesso no cesto da roupa suja, com as linhas, as costuras, os remates.)
Reflexão, inflexão
(You can watch your own image
And also look yourself in the eye).
No topo deste blogue, está escrito que é o meu blogue literário. Ou seja, cada vez que escrevo um texto
(e tenho algures defendido num ensaio que um imagem pode ser um texto, uma melodia pode ser um texto, um vídeo pode ser um texto, um texto pode ser um texto,
- Já sei, uma outra reflexão que fiz sobre a ekphrasis
aliás, prática muito corrente nos blogues sem que as pessoas se dêem conta de que o fazem)
deveria ser literatura. Ou pelo menos há a pretensão de ser literatura. É isso que assumo cada vez que escrevo, é isso que está explícito e é isso que pretendo. Não interessam os recursos, mimese, pastiche, plágio, citação, apropriação, cópia, roubo, qualquer um é válido. Mais, podia fazer uma abordagem a partir de conceitos operativos,
(apófrades, antes de mais, depois
clinamen
kenosis
tessera
askesis
demonização)
podia fazer uma qualquer abordagem literária aos blogues. Porque se pode fazer uma abordagem literária a qualquer palavra escrita. Pode?
(Pode não ser literatura e da mesma forma se fazer uma abordagem literária. Porque para se determinar que algo é literatura ou não é imperativamente necessário que se defina literatura
o que é?
quem determina?
No entanto sinto-me inclinado a dizer que os blogues podem ser literatura
com mais ou menos duvidas
porque tal como um livro, os blogues são apenas o suporte. O conteúdo é que determina se é literatura ou não. A plataforma também define, de certa forma, a mensagem
“The medium is the message”
mas não determina se esta é literatura ou não. Mais, antes de ser escrita a literatura era oral!)
Uma das definições de blogues desconstrói etimologicamente a palavra weblog. É
agora o preconceito é para ser preconceito para depois ser combatido
uma espécie de diário íntimo
(sem cadeado porque todos lêem
e tem rosas quem quer rosas
e tem cravos quem quer cravos
eu quero letras pretas em fundo branco, mas já quis de outra forma
forma é mesmo a palavra que quero porque é forma em todos os sentidos, ângulos, acepções, interpretações, condições)
que cada um pode escrever o que quiser. As histórias do quotidiano, histórias inventadas, reflexões políticas
(ou metabloguistas.)
Sinto que desde que comecei a escrever na primeira pessoa do singular, há uma interpretação daquilo que escrevo como realidade, como facto da minha vida. Como pretenso escritor, escrevo na voz que quiser
(e ainda que toda a escrita é autobiográfica porque se fundamenta na experiência do autor)
sem que isso estabeleça uma directa ligação à minha vida pessoal.
Este é o blogue literário de Miguel Fernandes Ceia
Linhas em itálico são versos da canção Black Mirror dos The Arcade Fire.