Uma francesa e uma portuguesa. E uma italiana e uma espanhola. Duas reais e duas personagens de romances
(Madame Arnoux e uma portuguesa
Francesca e uma espanhola é assim que vão ser os nomes delas.)
Há alguns anos atrás
(três ou quatro)
a mulher portuguesa, que agora é uma mulher casada e não sei para quando estarão os filhos disse-me que tínhamos vinte anos, tínhamos idade para saber melhor
(saber melhor o quê?
- Já temos vinte anos, já devemos ter juízo.
Fiquei lixado com a arrogância da afirmação. Nem era arrogância, era maternalismo. E fiquei lixado porque é esse o vocabulário de quem tem vinte anos.)
Vamo-nos esquecendo das pessoas à medida que nos afastamos. Deve haver, de certeza, uma máxima qualquer
(frase feita
cliché
lugar comum)
que se aplica aqui. Não sei qual é. Esquecemo-nos das pessoas na mesma medida que elas se esquecem de nós, acabam por ser memórias vagas de um tempo longínquo. Achava estranho que os meus pais falassem de amigos perdidos
(porque é que se perderam, os amigos não se perdem)
com a mesma facilidade que falavam de acontecimentos com dez anos. Quando eu tinha dez anos. Agora falo de amigos perdidos que eram amigos há dez anos.
Entre esta quase-mulher portuguesa
(ou mulherzinha na pior acepção do termo)
que nada se refere ao romance de Louisa May Alcott e a Madame Arnoux há um paralelismo interessante
(uma falsa pureza, um paroxismo púdico na rata)
, lembro-me das duas como seres inacessíveis que estarão cada vez mais próximos um do outro. Talvez a quase-mulher portuguesa necessite de educação sentimental. Mais do que a educação em si, do livro. São mulher e quase-mulher cuja contemplação é um acto romântico com uma importância tão grande como o
brisk walk da Helena.
Olho para as duas e vejo que esse paroxismo púdico
(e mais não digo que uma vez é suficiente)
é um paradoxo que oscila entre a virgem e a puta. Na mesma pessoa encarnada.
Conheço uma espanhola que tem gestos de uma italiana. A forma como ri, a forma como coloca as mãos à frente da boca
(faço uma piada e ri-se como se a ironia fosse algo que está a conhecer pela primeira vez.)
Lembra-me a Francesca. A rir-se das histórias do fotógrafo
(sentada na cadeira amarela, levanta as pernas no ar
deixa-as cair
bate com as mãos nas coxas
e deixa a cabeça cair para a frente com uma gargalhada)
que se ia casar com uma gorila de lábios pintados. A espanhola é uma mulher de trinta e nove anos que ainda se fascina com o mundo mas que já nada espera dele.