Fantástica Gramática Automática
Thursday, May 03, 2007
  Exercício de memória: sobre a minha terra
Dei-me conta que para ser um bom cronista tinha que escrever essencialmente sobre coisas que me aconteceram
(porque da minha vida vou sabendo melhor do que as outras coisas todas)
, de preferência num passado distante. A minha primeira bicicleta, a rua onde morei, os testes de latim
(no meu caso a angústia derivava para o francês
a minha tendência é anglística)
o cheiro a incenso de casa da minha avó
(mentira, da igreja
mas qual igreja que os meus pais não eram religiosos por aí além)
o largo da minha outra avó, os passeios de Domingo com o Domingos
(mas não tenho uma passado que seja assim tão passado a que me possa referir. Dá vontade de dizer,
“Não nasci em Benfica”
“Não nasci no bairro da Sé”
. O meu passado é tão recente. Parece que o meu passado carece de história. É apenas um laivo coevo e contemporâneo, que se encontra no limiar do interessante e do piroso. Como a música dos anos oitenta, que um dia há-de ser história porque existiu. Como qualquer ser humano.)
Nasci em Portalegre, uma cidade que passou a livro por causa da morte
(ainda hoje ao jantar contava uma dessas histórias, o gajo que estava tão cheio de tudo que transbordou para fora do seu próprio corpo e de um parapeito de cinco metros. Talvez não seja muito alto, mas quando estamos a dormir e não damos conta, até dois metros são um sarilho; mas se estivermos cheios de tudo e transbordar também e estivermos a dormir no parapeito
de cinco metros, já disse?
Partiu qualquer coisa e morreu. Esta história também vem no livro.)
Agora sim, precisei do tempo:
Lembro-me de do calor do Verão, de como a explanada se torna tão vermelha
não são as luzes
nem os carros
nem os vestidos
os pés descalços e as sandálias
é o calor que penetra o amarelo da cerveja)
uma cidade inteira sobre o efeito de LSD. Uma praça tão cheia de calor que as pessoas derretem nas cadeiras e nas mesas como os relógios do Dalí
(não é só o calor, é também a inércia e o incessante esfumar das chaminés. O barulho, os fogos de Verão. A dificuldade em respirar.)
 
Comments:
falta dizer que no passado também foste um gafanhoto muito lindo!
 
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