Continuo a andar às voltas com o positivismo e com o debate dialéctico entre Platão e Hegel. Neste momento a minha irmã e eu andamos às voltas com o método dialéctico platónico
(sobre o qual já escrevi mas acrescento que consiste na exclusão de tudo aquilo que não é aquilo que pretendemos definir: a ideia encontra-se na negação de tudo o resto)
para pôr em prática o método dialéctico hegeliano que fala de escravos e senhores e que mais tarde foi adaptado para patrões e operários
(embora Platão, não a custo da dialéctica, já tivesse visto a luta de classes marxista no sistema oligárquico em que o estado não e um, mas dois,
um para os ricos
um para os pobres
um mais um igual a dois)
de que nós
(entre muitos outros antes de nós e depois de nós)
nos apropriámos para falar de arte. Sem querer confundir mais, páro.
Há pouco mais de um ano
escrevi que seria positivo nem que doesse
(era um verso de uma cantiga)
numa fase de transição
(na altura.)
E noutra, entre a afirmativa aceitação positivista e o “duvidar sempre” brechtiano, permiti-me a indulgência.
(E hoje de manhã li
Na cidade em que vires mendigos, em tal lugar, se acoitarão ladrões, carteiristas, salteadores de templos e autores de malfeitorias dessa espécie(Platão VIII. 552d)
no autocarro, a caminho da biblioteca. Parei. Platão NÃO escreveu isto. De forma alguma. Primeiro porque Platão não escrevia e depois porque
(fiquei parado na palavra “carteiristas”; carteiristas? E de onde é que essas alminhas fanavam as carteiras?)
Mas não vamos julgar Platão, que não escreveu isto, ou melhor, disse isto. Mais acertadamente, Platão não disse bem isto, parece-me a mim. Tal como Ezra Pound em
Cathay, a nossa tradutora permitiu-se a uns remendos
(nas togas, para caberem as carteiras)
juntado na mesma frase os saqueadores de templos – que suponho comuns na altura – e os carteiristas, muito em voga nos transportes públicos coevos. Recordo-me de uma frase que ouvi a uma professora, “o texto determina o contexto”. Podemos então dizer que é uma tradução do tempo em que já há bolsos para pôr carteiras
(e carteiristas para as tirar de lá)
, ou seja, há um grande espaço temporal em que isto pode acontecer. A tradução data de 1972. Em que outra década, em que outro país, se utilizariam expressões como malfeitores e patifarias? E já que falamos de um muito cristão país, pelo menos à data da tradução,
(e calcando o mesmo caminho que iniciámos, seguindo Ezra Pound)
porque não chamar-lhes judeus também?
Platão (2001).
A República, 9ª edição, tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
(Outra vez!, pelo menos até ao fim do volume. Mas contando que já estou no livro IX, não há-de faltar muito.)