Das noites sem dormir e dias a escrever
O que há para escrever quando o dia foi isto
(soa a interrogação mas é uma reflexão sobre o processo criativo, ou pelo menos eu ambiciono que o seja, porque passei o dia a escrever e acabo por ir escrever ainda mais a pensar sobre aquilo que escrevi e porque é que assim o escrevi)
Foi quando comecei por escrever um post
(às vezes torna-se tão complicado distinguir as fronteiras entre aquilo que escrevo para um blogue, o que pode ser parte integrante de um romance ou é um conto só. Tenho tantas dificuldades com as fronteiras que acabo sempre por fazer trabalhos que estão na terra de ninguém, ou ningãe, como uma vez escrevi, retirado de um romance da Maria Velho da Costa)
que ambicionava ser uma pequena história sobre uma mulher-a-dias que lia livros. Sempre gostei destas dualidades e ambiguidades intelectuais, encontrava-as muito nos romances de Milan Kundera
(pessoas que trabalhavam no campo, atrás do balcão, num café a servir aguardente, ou a lavar janelas que eram capazes de uma reflexão filosófica com uma profundidade brutal e visceral)
. A ideia partiu disso e de uma pessoa real. Chamava-se o post A mulher-a-dias intelectual
(e tendo isso começado dessa maneira confusa, como todas as ideias começam, a história, fui buscar um trecho do Memorial do Convento, que fazia sentido para um pormenor. Mas quando o trecho passou a ser três espraiados pelo texto já começava a ficar muito longo e porque não dar-lhe uma nova direcção. A primeira coisa a cair foi o título, que tinha um ar gozão e eu queria que fosse sério. Mais do que a tristeza cómica e agri-doce do American Splendor, pretendia outro ritmo. Não que esse filme e o trabalho de Harvey Pekar o não fossem sérios, o título é que era feio e eu queria um ritmo diferente, sério e com a ingenuidade de quem se vê ao espelho mas não sabe quem é lá)
. Mantive o personagem principal que era uma ela, continuou a ser mulher-a-dias e também prostituta nas horas vagas, de noite, já totalmente distanciada da pessoa real. Fui buscar os mitos de Narciso e Echo e Diana e Actaeon e o personagem principal era Narciso e Diana, por esta ordem, ao mesmo tempo e o único personagem com quem interagiria directamente
(pelo menos na narrativa muito explicitamente)
seria uma mistura de Echo e Actaeon, por esta ordem. Pretendia que um trabalho de análise pudesse ser feito, mais do que inventar uma história, queria conceptualiza-la.
Acabou por se tornar num conto que se chama Talvez mulher só que, naturalmente, não irá ser publicado neste blogue.