Cadáver lírico
Às vezes é tão difícil encontrar as palavras, ligar primeiro as letras e depois o resto. É tão difícil. Thomas Mann afirmou eu “o escritor é a pessoa para quem escrever é mais difícil do que para os outros”
(e às vezes torna-se tão difícil que não conseguimos encontrar as nossas próprias palavras que nos agarramos às dos outros mesmo que saibamos que isso não nos vai salvar. escrever até pode ser um movimento por definição contaminado porque escrevemos tudo aquilo que foi já escrito mas reconhecer que as palavras nos fogem, que as não conseguimos agarrar)
. Não é mais fácil quando as conseguimos encontrar. Vivem dentro de nós, habitam-nos, temos que as gestar e as parir. Isto também é dor. Como um filho que nos edema e depois nos magoa por tanto o amarmos
(este é um dos meus mais pesados partos apesar de depois de nascido se tornar leve escrever é tão doloroso tão arrancado do interior de mim que apenas quando as palavras estão cá fora tomam essa forma de leveza mas até lá rasgaram-me as vísceras e flagelaram-me o corpo miguel fernandes ceia)
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E se eu não for um escritor? E se eu me estiver a enganar? E se tudo isto for um embuste de mim? E se escrever não doer? E se só doer a quem não sabe escrever? Então isto tudo é nada.