Carta aberta à Rita
Querida Rita
Não poucas vezes me tentaram seduzir a dizer os meus filmes preferidos, as bandas preferidas, autores preferidos, obras preferidas
(foi de tal forma que ainda há uns dias atrás conversava com uma amiga minha e dizia que se alguém quisesse conhecer o ocidente bastavam três obras para o conhecer a república as metamorfoses e a bíblia. acho que no momento disse que era para o mundo todo mas não pode ser porque não conheço nada da literatura árabe africana asiática em todas as suas variantes. até esta frase é ignóbil uma vez que o oriente foi uma invenção do ocidente)
. E, claro, de todas as vezes que mo fizeram, eu caí na brincadeira. Convenhamos que eu sempre fui muito mau a ver essas patifarias. Preciso de tempo
(sempre precisei de tempo para tudo querida rita a inteligência até podia estar do meu lado mas nunca à velocidade que eu queria ou ambicionava fui sempre muito mais lento muito menos audacioso e acabei sempre por me identificar mais com o pee-wee do que com o fonzie)
para compreender aquilo que me perguntam, preciso de tempo para conseguir dar uma resposta adequada. Às vezes sinto-me tão pouco, Rita.
Conto-te uma história
(não sei que história hei-de contar vês gostava de ser daquelas pessoas que têm sempre algo engraçado para dizer entre o sério e o engraçado não piadético um encanto blazé)
, mas é melhor não. Foste tu quem estudou alemão, não foste? Mesmo que não deves conhecer o conceito de ‘zeitgeist’
(por outras razões que não aquelas que te ocorrem de momento comecei a gostar imenso desta palavra nos últimos meses tal como dicção. acho que para gostarmos das palavras e daquilo que elas querem dizer temos que saber o que elas querem dizer mas isso já dizia platão)
, aquilo a que eu chamaria de ‘espírito do tempo presente’. Porque em momentos diferentes da minha vida tive preferências diferentes, em tudo
(suponho que até nas mulheres que foram meninas raparigas e agora são mulheres feitas corpo mental em corpo real)
. E este não é muito diferente dos outros. Hoje gosto de umas canções, amanhã aborrecem-me, ou durante uns anos deixam de ter interesse para as voltar a descobrir
(com as mulheres já não foi assim)
, os filmes, os livros: repito a leitura de livros para encontrar tantas outras leituras dentro das palavras. As palavras têm vida própria que não é senão a que lhe damos. Contava isto a uma amiga quando reparávamos que dizíamos muitos mais palavrões em língua estrangeira que na nossa própria. E os filmes também têm a vida que lhes damos, apropriamo-nos deles através dos sentidos e fazemo-los nossos.
Não quero com isto dizer que me escuso a responder, porque se houve coisa que com a experiência nunca aumentei foi a esperteza
(e sem nenhuma ordem que não a alfabética eternal sunshine of the spotless mind hable con ella lost in translation magnolia natural born killers)
.
Um beijinho amigo,
M