A vida e morte das ideias
Antes de entrar no metro, antes de descer à plataforma, na rua. Desciam frases nos prédios, ideias nos parapeitos
(afasto a mulher que depois da celulite nocturna nunca mais apareceu depois do soutien e das cuecas nunca mais dobrou lençóis nos meus olhos)
da picheleira. Nas Olaias não floresciam olaias. Apenas ideias. Mas uma ideia é tão caótica, tão custoso torná-la afiada como uma lança, tão mortífera e implacável. Gosto das ideias como vêm, sem pretensões de violência, apenas matéria metafísica aleatória e contingente.
Num prédio cor-de-rosa agarrei uma frase num quebranto, uma ideia num parapeito outro
(não ligo às ideias não ligo as ideias elas vêm ficam minutos horas e não as escrevo. perco-as num vão ou num devaneio num carril ou num lancil. perco-as na esperança de as encontrar outra vez perco-as por descuido cuidei que não mais me iria esquecer de tão boa ideia. perco-as porque as penso porque penso que se me concentrar a ideia voltará. vive em mim a ilusão de que as ideias são recorrentes e que a qualquer momento as posso retirar da biblioteca com uma cota e uma estante fixa)
, desci com elas. Não iam na cabeça, já iam na língua e nos lábios, quase as saboreava, sabia o som, ouvia o som e sentia-o na minha boca. Distraí-me com a Lolita que levantava a saia para confirmar a robustez das coxas com o meu olhar e a ideia e a frase escorregaram pelo meu queixo apanhei-as meio caminho entre o pescoço e o peito num sussurro
(e depois olhei para as estações para as pessoas que passavam para os apaixonados que se beijavam para os cadernos de termodinâmica quântica)
. Quero essa ideia, esse pensamento, esse sabor na minha boca. Mas perdi-o. Não há biblioteca nem cota nem estante. Morreu para mim e há-de encontrar vida em Ningãe como encontrou em Algãe antes de morrer e voltar a viver em mim.