Expressões do Ocidente
Uma das mais interessantes formas de conhecimento é o discurso. Observar atentamente
(com os olhos interiores aqueles construídos pela linguagem e que alcançam mais longe que qualquer)
as palavras escritas e/ou proferidas e delas retirar mais do que a sua forma ou do que a sua conjunção em frases e parágrafos. Tal como a autobiografia é, em certa medida, ficcionada, também o romance revela algo de realidade.
De todas as formas de análise textual, esta é uma das que mais me agrada e fascina, a descoberta de pequenas traços que desmascaram o produtor
(porque estas acções inconscientes são a traição dos nossos pensamentos mais íntimos disse primeiro freud e depois okakura mas independentemente de quem disse primeiro não deixa de ser verdade)
. Edward Said escreveu um livro muito interessante
(orientalismo)
onde defendia que o “Oriente” era uma construção discursiva dos europeus. E que toda a sua mitificação e exotização era uma forma de conhecimento ou de catálogo por parte dos europeus. Talvez Edward Said tenha lido o Livro do Chá, talvez não. Mas nele surge a perspectiva asiática
(de um japonês radicado no reino unido)
, que reconhece a estereotipitazação dos europeus:
“O ocidental comum, na sua regular complacência, verá na cerimónia-do-chá apenas outras instâncias das mil e uma peculiaridades que, para ele, constituem a singularidade e a infantilidade do Oriente” (Okakura 1998: 11).
Aqueles que eram estereotipados sabiam que o estavam a ser. E, sabendo, deliberadamente riam da situação, da mesma forma que estereotipavam os “Ocidentais”:
“Haveria mais matéria para júbilo se soubésseis tudo o que imaginámos e escrevemos sobre vós. Aí reside todo o fascínio da perspectiva, toda a homenagem inconsciente da maravilha (...) Fostes cobertos de virtudes demasiado refinadas para serem cobiçadas, e acusados de crimes demasiado pitorescos para merecerem condenação. Os nossos escritores do passado – os homens sábios que conheciam – informavam-nos que havia caudas espessas escondidas algures sobre as vossas vestes, e que amiúde jantáveis fricassé de crianças recém-nascidas! Não tínhamos algo pior contra vós: pensávamos serdes as gentes mais incoerentes sobre a terra por terdes fama de pregar o que nunca praticáveis” (Okakura 1998: 12).
OKAKURA, Kakuzo (1998). O Livro do Chá. Tradução de Fernanda Mira Barros. Lisboa: Edições Cotovia.