Fazer mudanças
É tão difícil fazer mudanças. Não as dos outros, essas são fáceis, é dos trabalhos mais fáceis que existem
(esvaziam-se gavetas para dentro de caixas desmontam-se armários e camas cómodas com triciclos bicicletas)
e não temos que nos preocupar com mais nada a não ser com a a força que temos que fazer nas pernas e nos braços e muito cuidado com as pernas por causa das costas. Quando são as nossas próprias mudanças
(não são os músculos das pernas nem dos braços nem o baço das costas que custam é a vida que temos que arrumar sem saber quando a voltaremos a desempacotar e sem saber se quando o fizermos não estará já tudo demasiado espartilhado e envelhecido tão fora de moda que já não sabemos que éramos e o passado novo que já construímos substitui tudo aquilo que está mais para trás)
é a cabeça que se cansa, são os olhos que não sabem decidir que vida queremos guardar.
É como arrumar a cabeça, há coisas que esquecemos, outras que guardamos sem qualquer critério
(as memórias são tão pouco criteriosas e obedecem apenas a encontros aleatórios que temos ainda há dias encontrei numa gráfica onde fui fazer um scan um colega de faculdade que não era amigo porque andava a ver se fornicava com a minha namorada da altura)
e de repente lembrei-me de tantas coisas que já não me lembrava que me lembrava. Daquelas que não sabemos porque é que nos lembramos nem sabemos porque é que guardamos connosco
(daquelas que sem o menor pejo jogaríamos no lixo e só conjugo o verbo jogar neste contexto porque já li o lobo antunes a fazer o mesmo num livro dele por isso já não tenho vergonha de escrever já que assim que estou tão perto do algarve para escrever jogar como estou da beira para dizer à minha beira)
. Mas porque é que não deitamos para o lixo aquilo que não interessa? Porque é que insistimos em transportar no nosso corpo tatuagens mentais da nossa vida
(momentos vergonhosos e humilhantes a que só assistimos na individualidade do nosso corpo e na precisão cirúrgica do nosso próprio juízo sobre a carne flácida)
?
Acabamos por trazer às costas pesos que sabemos e que não sabemos, como as pedras que nos colocavam às escondidas na mochila
(a mim pelo menos)
.