O desejo e a soberba
Ainda há dias saía da faculdade e parei em frente à reitoria a olhar para os motoristas sentados nos carros. Só carros bons, daqueles que têm precisão de motorista. Vinha cansado e doía-me a cabeça
(no que diz respeito à dor nietzsche tinha toda a razão)
mas mesmo assim parei em frente à reitoria a olhar para os motoristas sentados nos carros
(pensei como seria bom ser motorista não pelas horas que passava atrás do volante mas pelas horas mortas que poderia ter a esperar por quem quer que fosse enquanto lia tudo aquilo que nunca poderei ter tempo para ler. gosto de imaginar que seria um motorista que lia dante e goethe e milton e essas coisas todas e as pessoas vinham-me perguntar coisas porque eu sabia coisas)
. Lembrei-me que houve uma altura da minha vida em que queria ser taxista, porque isso queria dizer que podia conduzir o dia inteiro. Podia conduzir e nas horas mortas lia e ouvia música.
Algo me impede de ser motorista profissional
(suponho que a minha própria soberba)
. Para Larry, um dos personagens de livros que li que mais me fascinou até agora
(maugham w somerset 1963 the razor's edge harmondsworth penguin)
, tudo residia no viver e não na inscrição da sabedoria que ía acumulando. Ele acabou por ser taxista em Paris e camionista por todos os Estados Unidos da América. A soberba e o desejo de reconhecimento público impedem-me de ser motorista profissional e impelem-me a quaisquer meios de exposição pessoal
(tenho ouvido recentemente que não há mal nenhum em que queiramos que nosso trabalho criativo qualquer que ele seja seja pago e reconhecido mas há em mim uma falsa modéstia mais forte que as minhas honestas pulsões)
. Suponho que, mesmo sendo motorista profissional e podendo ler tudo aquilo que gostasse de ler, eventualmente acabaria por chegar onde cheguei, um meio caminho para um qualquer lugar.
Não há nada de indecente em ser motorista profissional
(aliás não há nada de indecente em qualquer profissão desde que seja exercida honestamente)
. No fundo, sou demasiado vaidoso e orgulhoso para que conseguisse guardar tudo isso dentro de mim, havia de querer encontrar sempre uma audiência mais estúpida que eu
(porque é assim que as coisas funcionam temos que encontrar sempre alguém mais estúpido que nós para que as nossas palavras sejam tidas como sábias)
que estivesse disposta a ouvir aquilo que tinha para dizer.