Os meus amigos
Comecei por me lembrar dos finais de tarde, o sol que se despenhava sobre os restos de serra
(não me lembro de haver silêncio nessas tardes apenas na minha cabeça ou então havia silêncio mesmo eu é que estava demasiado inquieto para o sentir)
. Sentávamo-nos e ficávamos ali: não fazíamos mais nada. Bebíamos até o sol se elevar nas nossas costas e nas horas entre sóis já tudo tinha acontecido
(coleccionávamos garrafas e coleccionávamos beatas)
. Apenas ecolalias de piadas e histórias tornadas e contadas
(a luta com o corpo com quem se levantava com quem fazia e quem não fazia os gritos os caralhos os foda-se a bebida as drogas e a saliva)
, como crianças, apenas naquilo que conhecemos nos sentimos seguros já.
Quando oiço música electrónica lembro-me dessas noites
, como os corpos gramáticos se tornavam automáticos, fantásticos, quando já conseguíamos ver através dos escuro porque a manhã já se aproximava.
Dei corridas ao carro para trocar cuspo e cheirar qualquer coisa que não sabia o que era e voltava. Ia não sei para onde porque não sei muito bem onde estava, era um corpo automático e repetido, como a música ritmada.
E o sol nascia
(à pele molhada de suor do calor da manhã juntava-se o chão em que rebolávamos nus as ervas da primavera que já tinham secado e lavrado era o chão)
e somos bons porque nos tornámos natureza
cobertos de terra e ervas, e era tudo tão luminoso que nem conseguíamos olhar para o céu. O sol metia-se entre a pele e a terra. Sinto na língua agora o sabor do cuspo misturado com a erva.
A partir de “For My Friends” de Blind Melon.